Marilyn Monroe: Os Filmes Esquecidos da Atriz (e mais sobre o ícone)

Aproveitando o momento atual, no qual o nome de Marilyn Monroe volta aos trends por conta da sua nova cinebiografia e também pelos seus 60 anos de morte em 2022, eu quero trazer e destacar parte do trabalho do grande ícone como atriz de cinema. Apesar de Marilyn ser ainda uma figura icônica e atemporal — mostrada, referenciada, citada, parodiada, reproduzida e estampada à exaustão na cultura pop — ela ainda é extremamente subestimada como artista. Muita gente, que pouco a conhece a não ser pelo seu nome e sua figura, nem sequer sabe que ela era uma atriz de cinema, apenas que era famosa e um sex symbol de antigamente e fim. Ou no máximo que cantou Happy Birthday para o John Kennedy. Marilyn foi mais, muito mais do que isso.

Mesmo sendo fã, eu sei reconhecer as limitações pessoais de M.M.: alguns maneirismos, dependência constante de coachs de atuação, falta de concentração e de profissionalismo durante as filmagens, etc. Mas eu realmente a considero uma boa atriz, ao contrário de muitos que só lembram dela ser bonita, sensual e dona de um magnetismo forte em cena. A câmera a amava, de fato, tanto quanto amou Chaplin e Greta Garbo; seu apelo popular com bilheterias permanece incontestável, mas Marilyn tinha um talento particular à parte de sua beleza. Dona de uma sensibilidade pungente, ela conseguia transmitir emoções de forma natural e instintiva. Ela se encontrou no método justamente porque viveu muitas situações dramáticas e complexas durante sua juventude, logo ao compor um papel e representar, ela podia trabalhar em cima de suas experiências pessoais agridoces para então viver de fato a personagem. Uma pena mesmo ela não ter tido mais papéis dramáticos no cinema. Seu sonho era poder interpretar papéis complexos e viscerais como Blanche DuBois, de Um Bonde Chamado Desejo de Tennessee Williams, ou fazer alguma tragédia de Shakespeare.

“As excentricidades e neuroses de Monroe nos bastidores se tornaram notórias, mas os estúdios a toleravam muito depois de qualquer outra atriz ter sido banida porque o que eles conseguiam de volta na tela era mágico”
Roger Ebert
M.M. conseguia fazer comédias com charme, elegância e timing cômico perfeito. E é um fato conhecido no meio artístico que comédia pode ser um gênero bem mais desafiador do que o drama, ainda que o Oscar e a indústria de forma geral sempre glorifiquem mais as performances dramáticas. Ela podia dar dor de cabeça nos sets de filmagem pelos seus recorrentes atrasos e problemas de concentração com as falas e inúmeros takes, mas Marilyn trabalhou com muitos dos maiores diretores em Hollywood. Dona de um currículo invejável, ela foi dirigida por nomes como Billy Wilder, Howard Hawks, Fritz Lang, Otto Preminger, George Cukor, Henry Hathaway, entre outros. Poderia dizer que ela era imposição do estúdio ou apelo de bilheteria, mas sem a presença de Marilyn esses mesmos filmes perderiam boa parte ou tudo de seus encantos. O que seria de clássicos como Quanto Mais Quente Melhor ou O Pecado Mora ao Lado sem o charme irresistível de Marilyn Monroe como Sugar Kane e A Garota? Boas comédias ainda, certamente, mas talvez não mais clássicos que atravessam o tempo.
Marilyn pode não ter tido a grande oportunidade de sair do estereótipo de loira burra e fazer papéis mais profundos, mas ela tentou até seus últimos momentos conseguir melhores papéis e ser valorizada como profissional.

Something’s Got to Give parecia ser o início de um novo momento na carreira e na vida pessoal de Marilyn Monroe naquele seu último ano, 1962. Ela já estava mais madura como pessoa e como atriz. Pela primeira vez, ela interpretava uma mãe em um filme — papel que ela quis muito na vida real, mas nunca concretizado. George Cukor não era sua pessoa favorita e vice-versa, depois de uma produção caótica em Adorável Pecadora, mas de novo estavam trabalhando juntos. Dean Martin foi gentil e muito paciente com os deslizes de Marilyn nas filmagens, raramente perdendo a paciência; ele se recusou a fazer o filme com outra atriz quando Marilyn foi demitida. Ela não ia bem de saúde, estava muito insegura e a Fox concentrava toda a sua energia em Elizabeth Taylor e o flop retumbante de Cleópatra. Ela acabou demitida, e recontratada tarde demais…

Os medalhões da Old Hollywood, no geral pessoas workaholic e disciplinadas, sentiam um misto de ternura e antipatia pela postura indisciplinada de Marilyn como profissional. Greta Garbo, mesmo achando os filmes dela pavorosos, ficou fascinada por Marilyn, a tal ponto que comentou informalmente um desejo de fazer uma versão filmada de Dorian Gray com ela (com os sexos dos personagens trocados para o feminino, lembrando que Garbo adorava a ideia de interpretar homens e viver como andrógena). Joan Crawford a criticou em vida, chamando-a de vulgar pra baixo, mas após sua morte chorou inconsolavelmente na casa de George Cukor. Crawford e tantas outras estrelas, por mais duronas e fortes que tivessem sido, sabiam que haviam sido usadas e exploradas como pedaços de carne em um açougue pelos estúdios e pelo star system, não muito diferente da estrela Marilyn Monroe, concebida e depois destruída pela mesma indústria.

Judy Garland comentou que Marilyn a seguiu num evento dizendo estar com medo, e que não queria sair de perto dela. Elas ficaram na promessa de conversar melhor, mas isso nunca aconteceu e Marilyn faleceu pouco depois. Judy acreditava que Marilyn não tinha se suicidado, e sim que tinha sido um incidente, resultado de muitas pílulas e solidão. Judy Garland faleceria também de overdose acidental em 22 de junho 1969, aos 47 anos.

Marilyn pode não ser a maior atriz do planeta, e não precisava ser, aliás acho que muitos a menosprezam porque sentem que ela não merece a fama toda que tem sendo que havia muito mais atrizes em Hollywood, e realmente existiam e eram incríveis, como Bette Davis, Katharine Hepburn, Barbara Stanwyck, Joan Crawford, Elizabeth Taylor e assim por diante. Popularidade à parte, Marilyn acabou sendo mais do que uma atriz, tornou-se uma lenda, um mito, um ícone que atravessa o tempo. Uma glória e um grande fardo ao mesmo tempo. Gostaria de pontuar no meu artigo mais dela como profissional, afinal toda essa hype continua ofuscando o seu trabalho, mas também quero lembrar um pouco dela como ser humano, mulher. No fim das contas, pode ser um grande clichê, mas Marilyn só queria ser amada. Ela viveu uma grande solidão desde a sua infância em orfanatos e morando de casa em casa, sempre com estranhos. Conseguiu na idade adulta ser amada por milhões, calar a boca de muitos que a consideravam só uma vagabundinha ordinária ou uma jovem medíocre e sem graça, mas até o fim de seus dias ela foi uma jovem mulher extremamente solitária e sozinha no mundo. Não a pessoa mais fácil, afinal era uma geminiana instável e cheia de flutuações de humor, mas para tudo de bom e ruim que ela viveu intensamente e de forma breve, ela foi sim uma mulher muito forte.

Ainda que fosse frágil e melancólica, Marilyn sempre foi muito determinada e alguns de seus conhecidos diziam que nunca viram alguém tão focado em ser uma estrela e fazer sucesso com o seu trabalho. O sucesso não veio rápido: ela passou seus primeiros anos como atriz flopada na Fox fazendo papéis pequenos ou figuração, quase sempre quebrada e passando perrengues em Los Angeles até os anos 50 trazerem enfim bons frutos para ela. Nem mesmo o fato de ter feito fotos nua no início da carreira ofuscou o brilho de seu estrelato perante o público quando a informação caiu na imprensa, aliás talvez tenha até mesmo aumentado a sua fama.
Sua morte foi trágica e triste, mas com certeza no além da vida ela pôde enfim descansar e encontrar a paz que não teve na Terra.

Ela nos deixou ainda na flor da idade, aos 36 anos e com muitas possibilidades pessoais e profissionais não realizadas. Mas durante sua trajetória, Marilyn nos brindou com muitas performances de boas para excelentes, que merecem mais valor e atenção. Adoro seus filmes mais famosos, como Quanto Mais Quente Melhor (Some Like it Hot, 1958, dir. Billy Wilder), O Pecado Mora ao Lado (The Seven Year Itch, 1955, dir. Billy Wilder) e Os Homens Preferem as Loiras (Gentlemen Prefer Blondes, dir. Howard Hawks, 1953). Mas não falarei deles aqui, talvez em outro post com mais riqueza de detalhes. Hoje quero comentar sobre seus filmes menos lembrados, os esquecidos.



Infelizmente, o seu escasso trabalho dramático é relegado ao limbo, isso quando não assistem e falam que ela está medíocre. Farei o contrário: quero iluminar e mostrar seu trabalho sob uma perspectiva pessoal, parcial sim mas sem fugir da realidade. Apesar de ser o seu aniversário de morte, eu quero celebrar a sua vida e a sua arte! Enfim, ladies and gentlemen, the late — and great — Marilyn Monroe.

SEUS FILMES QUE MERECEM SER MAIS VISTOS E LEMBRADOS
- OS DESAJUSTADOS (The Misfits, dir. John Huston, 1961)

A história era até simples: personagens solitários à deriva na vida se encontram por acaso e seguem juntos em busca de um novo sentido para si mesmos, na tentativa de (res)significarem suas existências. Roslyn (Marilyn Monroe) e sua amiga Isabelle (Thelma Ritter) estão juntas em um bar de Reno, Nevada — antigamente a capital americana dos divórcios, já que ainda não era possível em todos os estados americanos. Recém-divorciada e melancólica, Roslyn fica logo atraída pelo cowboy Gay Langlard (Clark Gable) e se envolve com o mesmo, indo morar com o vaqueiro numa casa afastada de propriedade dele e de seu amigo Guido (Eli Wallach). O grupo ainda conhece durante um rodeio o falido peão Perce Howland (Montgomery Clift). Os três cowboys desajustados resolvem se unir num novo negócio: caçar cavalos selvagens no meio do deserto. Roslyn segue o grupo na aventura, mais pelo fato de estar apaixonada por Gay, que também se fascina pela jovem mulher linda e triste. Ao longo dessa jornada dramática e agridoce, a ciranda de emoções entre os personagens fica cada vez mais densa e em vias de explodir.

The Misfits não foi nenhum sucesso de público e crítica. A performance de Marilyn foi até descrita como “vazia” pelo New York Times da época. Ela recebeu, no entanto, um Globo de Ouro como “World’s Film Favorite” em março de 1962, cinco meses antes de sua morte. Naquele início de anos 60 ela estava mais magra, com ar de cansada, cabelo mais platinado, e ainda uma das estrelas mais populares de seu tempo. Pessoalmente, ela detestou Os Desajustados e sua atuação nele. Sua vida pessoal estava em frangalhos.

Era uma chance de explorar sua veia dramática, sim, mas aquele projeto todo era extremamente pessoal, pois o roteiro era de ninguém menos que o dramaturgo Arthur Miller, seu marido na época. A história havia sido baseada num conto do escritor publicado na revista Esquire anos antes. A personagem Roslyn foi expandida e usada como veículo para Marilyn, então esposa de Miller. Mas ela sentia que novamente estava interpretando Marilyn Monroe. Poderia ser uma homenagem de amor, mas a atriz foi repudiando a produção cada vez mais, se refugiando na bebida e nas pílulas. Ela chegava constantemente atrasada e com problemas para fazer as cenas, não apenas por desleixo mas porque ela era muito ansiosa, estava uma pilha de nervos por trabalhar com Clark Gable, seu ídolo-mór desde a infância, e ainda tinha que lidar com frequentes reescritas de falas de última hora, o que não a deixavam dormir em paz. Enfim, o casamento de Marilyn com Miller, que já não andava bom, chegava ao seu fim durante as filmagens turbulentas desse que é um dos filmes mais obscuros das carreiras de seus atores principais. Uma espécie de prenúncio da finitude de suas próprias vidas.

O longa é marcado por uma constante atmosfera de melancolia, solidão e decadência. O desamparo que emana dos personagens (e dos próprios atores, de certa forma) é latente, quase palpável. Poderia dizer que é um dos filmes mais deprimentes que já assisti, sem nenhum drama visceral de te matar de chorar, mas sim pela aura melancólica que ele passa numa história relativamente simples de pessoas unidas por um mesmo sentimento de se estar perdido e só no mundo. Mas não é só morbidez: tem momentos mais leves, divertidos, românticos e encantadores, sem falar das cenas de ação no deserto com os cavalos, que dão uma vibe western para o longa. Para quem gosta de um bom drama bucólico com elenco estelar de peso e um roteiro interessante cheio de diálogos reflexivos, eu recomendo muito essa obra subestimada que merece mais reconhecimento! Felizmente, o filme foi ganhando mais admiradores e críticas positivas ao longo dos anos.


Esse filme parece sempre nos lembrar da finitude da vida através de seu elenco: aquele seria o último filme completo tanto de Clark Gable quanto Marilyn Monroe. Montgomery Clift, perfeito para papéis dramáticos intensos, demonstrava já uma enorme fragilidade, engolido por seus demônios pessoais (o astro gay nunca mais fora o mesmo desde um acidente grave de carro que sofreu em 1956 e lhe deixou marcas) — Marilyn disse que Clift era a única pessoa que ela conhecia que estava em pior estado do que ela própria.

Um médico ficava 24 horas de plantão no set para atender Marilyn e Montgomery quando fosse preciso, pois ambos estavam tendo problemas com álcool e medicamentos fortes. Mas o primeiro ator do elenco principal a falecer ironicamente foi Clark Gable, que já não estava bem de saúde antes das filmagens após décadas de fumo excessivo que haviam modificado até mesmo a sua voz. Ele já se queixava de dores no peito e ao contrário do que foi noticiado na época, o ator não fez todas as suas cenas de ação ele mesmo — algumas foram realizadas pelo dublê Jack N. Young.


Pouco antes de sofrer o enfarte, Gable assistiu aos rushes do filme (as gravações “cruas” sem edição) disse que aquela era a melhor performance de toda a sua carreira. O ator sempre foi muito crítico e autodepreciativo em relação ao seu trabalho, mesmo tendo sido por anos chamado de O Rei de Hollywood. Então apesar de sua triste partida, ao menos ele nos deixou com um sentimento raro de satisfação com o seu trabalho como ator, e não só galã.
Os Desajustados teve sua première no dia 1 de fevereiro de 1961, dia no qual Clark Gable, aquariano, completaria 60 anos de idade.



Acredita-se que The Misfits foi filmado em preto-e-branco pelo fato de Marilyn estar na época com aspecto cansado e com os olhos vermelhos, devido ao cansaço e uso frequente de barbitúricos (Clift também deveria estar com o mesmo problema). Ela tinha crises de insônia há anos e já estava dependente de pílulas para dormir. A pergunta recorrente no set de filmagem era “Será que Marilyn vai trabalhar hoje?”. De fato, muitos dias Marilyn sequer compareceu e deixou a equipe horas esperando no sol quente do deserto. Mas ela realmente não estava nada bem de saúde, chegando a ser internada por semanas, logo a produção ficou quase dois meses parada. Depois do filme as coisas não melhoraram muito para M.M.: em 1961 ela sofreu um aborto espontâneo. Seu casamento com Arthur Miller estava acabado. Muitos dizem que ela viveu seus últimos meses se sentindo perdida e à deriva, pessoal e profissionalmente.

Fofocas maliciosas atribuíram a doença e morte inesperada de Gable ao stress causado pelos atrasos constantes de Marilyn, que atrasaram as filmagens no deserto escaldante de Nevada. Monroe ficou desolada quando o seu ídolo, e secretamente seu “pai”, faleceu naquele mesmo ano. Ironicamente, ele tinha dito que trabalhar com Marilyn quase havia feito ele ter um ataque do coração — exatamente o que o matou em 16 de novembro de 1960. No mesmo hospital, em março de 1961, sua viúva Kay Gable deu luz a John Clark Gable, único filho do astro.
Desde então, Marilyn se sentiu em parte culpada pela morte daquele homem que ela fantasiou como seu próprio pai.

2. ALMAS DESESPERADAS (Don’t Bother to Knock, dir. Roy Ward Baker, 1952)

Um outro momento iluminado, mas pouco lembrado, foi no thriller noir Almas Desesperadas ao lado do excelente ator Richard Widmark. Era o primeiro papel principal de Marilyn na Fox, depois de anos fazendo papéis pequenos e irrelevantes. Nesse pequeno suspense dramático com toques de film noir, M.M. interpreta a jovem perturbada Nell, contratada por uma noite como babá de uma garota num hotel de Nova York.

No mesmo hotel naquela noite está hospedado o piloto Jed (Richard Widmark), na janela de frente para o apartamento onde Nell e a garota estão. Jed, rejeitado por sua ex-namorada Lyn (Anne Bancroft, em seu primeiro filme), fica atraído pela atraente Nell, que está usando as roupas e a maquiagem de sua patroa como se fossem suas. Inicialmente Nell não quer nada com Jed, mas resolve chamá-lo para o apartamento.

A menina Bunny, de quem ela deveria cuidar, fica cada vez mais inquieta e nervosa com o comportamento estranho de Nell. A babá se faz passar por uma hóspede de verdade. Já no apartamento, Jed fica intrigado com Nell e percebe que ela é a última pessoa que deveria estar tomando conta de uma criança, devido a seu comportamento instável. Ela conta para ele que tinha um namorado que também era piloto e morreu durante um voo no Havaí. Mentalmente perturbada, Nell passa a acreditar que Jed é seu namorado e não quer perdê-lo de jeito nenhum, mesmo que tenha que se livrar de quem ficar em seu caminho, até mesmo a menina Bunny.

No fim foi uma oportunidade bem-sucedida de Marilyn como atriz dramática, saindo um pouco das comédias que a tornaram famosa. Antes de ser completamente tomada por seus medos e inseguranças, confiança excessiva em coachs de atuação e psicólogos nos anos seguintes, é perceptível aqui em cena uma Marilyn Monroe mais relaxada e natural, ainda não tão castigada pela fama e pelo mais podre do star system. Até seu cabelo está mais escuro e não tão loiro como nos filmes mais famosos. Muitos críticos e fãs consideram este um de seus melhores trabalhos como atriz, afinal aqui ela não precisava ser só bonita e sexy, e pôde enfim atuar. Ela conseguiu explorar as suas próprias fragilidades e vivências pessoais ao interpretar a personagem mentalmente instável. Sua própria mãe Gladys tinha sido uma mulher com transtornos mentais e recorrentes crises nervosas, terminando seus dias em uma instituição psiquiátrica. Marilyn passou a vida inteira com medo de enlouquecer e terminar como sua mãe.


Não é uma obra-prima mas com certeza é daquele tipo de filme menor que prende a nossa atenção e impressiona pelos pequenos detalhes. Não apenas um veículo dramático para a Marilyn, mas também um pequeno e bom filme noir por si só, ótimo para um sábado à noite. Por favor, vejam!

3. TORRENTES DE PAIXÃO (Niagara, dir. Henry Hathaway, 1953)

Nas cataratas do Niagara, dois casais em lua de mel se cruzam e fazem amizade. O casal quadradinho Ray e Polly (Max Showalter e Jean Peters) começa a estranhar o comportamento peculiar dos seus novos amigos, o casal Loomis: Rose (Monroe) e George (Joseph Cotten). Polly vê por acaso Rose se beijando com outro homem nas cataratas, mas fica em silêncio. Depois à noite Rose canta sua música especial, Kiss, durante uma festinha entre os hóspedes do resort, na maior sensualidade possível. Seu marido George fica furioso de ciúmes e destrói o disco na frente de todos. Ele desconfia de um sentido oculto naquela performance toda, e realmente tem: Rose e seu amante Patrick (Richard Allen) planejam matá-lo.

Marilyn foi apenas um dos ingredientes de sucesso do filme. O versátil Henry Hathaway, famoso por seus westerns, dirigiu o longa metragem e o roteiro do mesmo ficou por conta de Charles Brackett, famoso por sua parceria profissional com Billy Wilder, junto com Walter Reisch e Richard L. Breen. Também tiveram as ótimas performances de Joseph Cotten como seu marido traído e perturbado, e Jean Peters como a mocinha em perigo que presencia as tretas nas cataratas: babado, confusão e gritaria. O código Hays de censura no cinema americano ainda prevalecia mas estaria com os seus dias contados mais para o fim dos anos 50 e começo dos 60. A tensão sexual presente no longa é latente do começo ao fim, mesmo que, seguindo a linha moralista típica, os bonzinhos ajam da forma conveniente que é esperada deles até o final, enquanto Marilyn e Cotten afundam na espiral autodestrutiva de seus próprios desejos.


Alguns já diriam que Marilyn havia perdido um pouco da sua naturalidade devido às inseguranças cada vez maiores e dependência constante de treinadores de atuação no set, na época Natasha Lytess. Anyway, Marilyn brilhou como a femme fatale nesse filme noir colorido que lhe rendeu pela primeira vez destaque no topo dos créditos (top billing), o que alçou a atriz oficialmente para o estrelato. Pode se dizer que Niagara foi o primeiro filme que realmente chamou a atenção do público sobre ela pra valer e dali em diante começou a verdadeira Marilyn mania que vinha com tudo nesse ano de 1953.


Darryl F. Zanuck, o chefão da Fox, não gostava pessoalmente de Marilyn, mas ele sabia que tinha uma mina de ouro nas mãos e investiu nela com tudo. Infelizmente ele e os produtores em geral só viam o apelo sexual de M.M. e mais nada. Marilyn tinha um apelo sexual tão forte nos mínimos gestos e atitudes que muitos não conseguiam vê-la como uma atriz séria ou uma pessoa com sentimentos e fragilidades. Hitchcock nunca teve interesse em fazer um filme com Monroe porque ele gostava de loiras frias e reprimidas, diferente de Marilyn que exalava sensualidade.

O fato de ser colorido não torna o suspense menos noir, pelo contrário, as cores são usadas a favor da atmosfera quente e sufocante que é construída durante o filme. Temos que aplaudir a excelente direção de Hathaway e o trabalho de cinematografia do longa, por sustentarem um enredo simples mas instigante e envolvente do começo ao fim sem deixar a peteca cair. Tudo bem que na parte dos personagens a bordo de um barco no meio das cataratas dava para sentir que estavam mais jogando baldes nos atores, mas vamos relevar esses detalhes hahaha

Não darei spoilers do desfecho, vejam por vocês. Thriller clássico altamente recomendado!

4. COMO AGARRAR UM MILIONÁRIO (How to Marry a Millionaire, dir. Jean Negulesco, 1953)

O sucesso da deliciosa comédia musical Os Homens Preferem as Loiras ofuscou um pouco a comédia clássica charmosa How to Marry a Millionaire, que é bem divertido e agradável. Foi também um dos primeiros experimentos de Hollywood com o CinemaScope (um estilo pioneiro de tela widescreen).

Betty Grable disse que em nenhum momento se sentiu ameaçada ou despeitada por Marilyn ser a nova beldade loira da Fox naquele momento, enquanto a carreira dela própria já estava entrando nos twilight years (lembrando que Grable foi a pin-up símbolo dos anos 1940, a favorita dos soldados durante a guerra). Simpatizou com Marilyn a tal ponto que um dia, notando que as unhas de Marilyn não estavam feitas, ajudou a pintá-las ela mesma com o seu próprio esmalte. Marilyn podia ser muito neurótica e preocupada com suas metas de trabalho, mas sabia demonstrar interesse verdadeiro nos outros. Quando Betty saiu às pressas num dia de filmagem ao saber que sua filha tinha sofrido uma queda em casa, Marilyn foi a única pessoa do elenco que telefonou depois a Betty para perguntar se a criança estava bem.
Lauren Bacall lembrou em seu livro de memórias By Myself que simpatizou com Marilyn durante as filmagens, comentando apenas que os constantes atrasos, dificuldade com as falas e dependência da acting coach Natasha Lytess deixavam o andar da produção um pouco complicado, enquanto que Betty Grable por sua vez era mais profissional e fácil de trabalhar. Não julgando Marilyn ou jogando shades ao falar disso, mas sim porque M.M. afetava o curso das filmagens e o trabalho dos outros atores, pois segundo Bacall, se os takes tinham que estar sendo repetidos a todo momento, ela e todos os outros por consequência tinham que estar bem em todos eles, já que ninguém sabia qual take seria o escolhido na edição final. Manter-se no personagem e no tom apropriado para um cena filmada diversas vezes é um dos maiores desafios para um ator na hora de filmar. Quando não, esperar horas intermináveis para gravar.

Tirando os ossos do ofício, foi um set de filmagem bastante tranquilo e alegre. As três atrizes frustraram os colunistas de fofoca pois se deram muito bem, obrigado. Grable e Bacall fizeram de tudo para não alimentar a insegurança de Marilyn e com o tempo M.M. conseguiu se sentir mais confiante.

Durante nossas cenas, ela olhava para minha testa em vez de pros meus olhos; no final de uma tomada, olhava para sua coach de drama, atrás do Jean Negulesco (diretor), para aprovação. Se a resposta fosse não, ela insistiria em outra tomada. Uma cena costumava ter 15 ou mais takes, o que significava que eu teria que estar boa em todos elas, pois ninguém sabia qual take seria usado. Não é fácil — muitas vezes irritante. E ainda assim eu não conseguia não gostar de Marilyn. Ela não tinha maldade— nenhum comportamento de bitch. Ela só tinha que se concentrar em si mesma e nas pessoas que estavam lá apenas para ela.”
Lauren Bacall

A trama principal do filme inspirou uma das tramas da novela Sassaricando, escrita por Sílvio de Abreu em 1987, depois refeita como Haja Coração em 2016 por Daniel Ortiz. Tonia Carrero fazia a linha cérebro do grupo como Bacall, Eva Wilma a estabanada engraçada como Grable, e Irene Ravache a mais desmiolada e sensual do grupo como Marilyn. Em 2016 os respectivos papéis foram para Malu Mader, Carolina Ferraz e Ellen Roche.

5. O RIO DAS ALMAS PERDIDAS (River of No Return, dir. Otto Preminger, 1954)

Marilyn considerava este o seu pior filme — nas palavras dela “um filme “Z” de cowboy no qual as atuações ficaram em segundo plano em comparação com as paisagens e o CinemaScope”. Otto Preminger tinha sido mal escalado para conduzir a produção, apesar de ser um diretor talentoso vide filmes como Laura (1944) e O Homem do Braço de Ouro (1955). Ele, um diretor austro-húngaro, simplesmente não combinava com o gênero faroeste, um estilo americano por excelência; logo Preminger dirigiu o filme de qualquer jeito, demonstrando pouco interesse com o projeto e direcionando sua raiva contra Marilyn Monroe e a acting coach da atriz, Natasha Lytess. Mas não era um comportamento atípico do diretor, já que ele era conhecido pelo seu gênio difícil e por escolher bodes expiatórios no set para descontar a sua raiva. Robert Mitchum, também genioso, não se deu bem com Preminger, nem mesmo com o ator mirim Tommy Rettig, que fazia seu filho no filme.
E para completar o baixo astral, Marilyn torceu o tornozelo durante as gravações. Por conta do acidente, a produção foi pausada por alguns dias e depois ela teve que usar uma tala na perna. Milton Greene aproveitou para tirar fotos aleatórias porém charmosas da atriz naquele período (mais sentada, por conta do problema na perna).


Em 1875, Matt Caulder (Bob Mitchum) é solto da prisão e finalmente se reencontra com o filho de 10 anos, Mark (Tomy Rettig), que ficou sob os cuidados da cantora de saloon Kay (Marilyn Monroe). Kay e seu noivo, o jogador ambicioso Harry (Rory Calhoun), têm problemas ao descer um rio numa frágil jangada. Matt e seu filho Mark salvam o casal, mas Harry simplesmente rouba o cavalo e uma arma de Matt e desaparece. Kay fica com Matt e seu filho, e os três passam juntos por diversas provações ao longo do percurso do “rio sem retorno”, ao mesmo tempo que criam um forte laço entre si. Matt ainda terá um confronto final com Harry. Com quem Kay terminará?
Apesar dos sentimentos mistos do diretor e dos atores, o filme fez sucesso e rendeu bem nas bilheterias na época de seu lançamento.

Deixando de lado os detalhes azedos das filmagens, River of No Return merece ser visto. Pode não ser um exemplo monumental de faroeste nem de drama, mas chama a atenção pela sua peculiaridade e talento excepcional do elenco e produção. É o único filme faroeste da carreira principal da atriz, e não deixa de ser interessante vê-la em locação natural na floresta, fora dos típicos musicais e comédias filmados inteiramente em estúdio. O visual também saiu do comum: o guarda-roupa era de época, pois a história se passa no século XIX durante a famosa Corrida do Ouro; além dos vestidos antigos de dançarina de saloon, M.M. chegou a usar roupas despojadas nas cenas ao ar livre, até mesmo calça jeans. Ela também usou um aplique para o cabelo parecer longo.

Marilyn teve química com seu co-star Robert Mitchum, que disse sobre ela:
“Ela estava convencida de que não era bonita ou sexy. Naquela época eu não acho que ela conhecia muitas pessoas que fossem amigáveis com ela. Crescendo em uma atmosfera de agentes, diretores e jornalistas, ela parecia uma criança perdida”
Mas o melhor amigo de M.M. naquele set não foi nenhum humano, e sim um pequeno guaxinim chamado Bandit. Enquanto o resto da produção ia almoçar, Marilyn ficava com o animalzinho em seu colo e conversava com o dono dele, Ralph Helfer, sobre animais e cavalos.

6. NUNCA FUI SANTA (Bus Stop, dir. Joshua Logan, 1956)

“Você pode ganhar uma fortuna apenas parada ou se movendo na frente das câmeras e quase sem atuar”, disse Michael Chekhov.
“Eu não quero isso”, eu [Marilyn] disse.
“Por que não?” ele me perguntou gentilmente.
“Porque eu quero ser uma artista”, respondi, “não uma aberração erótica
para ser vendida ao público como um afrodisíaco de celuloide. Foi tudo bem nos primeiros anos. Mas agora é diferente.”
Essa conversa começou minha briga com o estúdio [Fox].

M.M. não foi só uma artista, mas também uma empresária. Em 1955, em parceria com o fotógrafo e amigo pessoal Milton Greene, a Marilyn Monroe Productions (MMP) foi fundada com a finalidade de dar à atriz oportunidades melhores e mais recompensadoras como profissional. Ela estava cansada de ser apenas uma sex symbol nas mãos da Fox que ganhava menos do que os seus colegas homens. A abertura de sua produtora marcava uma nova fase não só na carreira de Marilyn mas também uma pá de cal no star system que já se mostrava decadente nos idos da década de 1950.
Bus Stop foi o primeiro filme de Marilyn com um novo contrato, melhorado, com a Fox. Sua guerra com o estúdio havia começado mesmo em 1954 quando Marilyn se recusou a protagonizar um filme flopado chamado The Girl in Pink Tights. A atriz já havia pressionado o estúdio por bons papéis, e naquele início de 1954, insatisfeita com a Fox e já desfrutando de uma fama meteórica, ela resolveu fazer as malas e partir numa tour pelo Japão, o que culminou na sua apresentação icônica de entretenimento para os soldados na Coréia em fevereiro. De volta aos EUA, em março, Marilyn e a Fox se entenderam e prometeram um novo contrato com bônus de $100 mil dólares e já um bom papel principal para ela: A Garota de O Pecado Mora ao Lado (The Seven Year Itch, dirigido por Billy Wilder em 1955).

Ela não era a primeira nem a última atriz a sofrer esse tipo de depreciação de um estúdio. Bette Davis, mesmo após ganhar dois Oscars de Melhor Atriz, era colocada para fazer filmes medíocres na Warner dos anos 30, e entrou na Justiça para conseguir melhores trabalhos. Ela perdeu, mas ganhou o respeito de Jack Warner que enfim começou a lhe dar melhores papéis, a partir de Mulher Marcada em 1937.
Bus Stop era o seu primeiro filme depois de dar uma pequena pausa em sua carreira e estudar no Actors’ Studio no ano de 1955. Ela havia vencido a batalha com a Fox, que lhe deu em troca um contrato de $400 mil dólares mais bônus, direito a fazer um filme pela sua produtora por cada filme que fizesse pela Fox, e também direito de escolha de diretor, roteiro e cinegrafistas. Marilyn se entregou com determinação nesse trabalho. Ela aprendeu o sotaque Ozark (típico de partes do sul e do meio-oeste americano), deu toques pessoais em mínimos detalhes de maquiagem, cabelo e guarda-roupa que combinassem com a frágil cantora de saloon Chérie, sem enfatizar o glamour de filmes anteriores. Influenciada pelo Método e pela sua ideia de atuação realista, Monroe também dançou mal e cantou desafinadamente de propósito em cena para acentuar a falta de talento da personagem, coisas quase impensáveis naquela época.

Marilyn pensou em Rock Hudson para o papel principal masculino, mas o novato Don Murray ficou com o papel do cowboy histriônico Beau. Don Murray (ainda vivo com 93 anos) lembra de Marilyn como assustada, ansiosa e um tanto infantil. Para ele, Marilyn era como uma criança, extremamente autocentrada e preocupada apenas consigo própria e com o seu trabalho. Os takes eram repetidos à exaustão e obviamente, o melhor take de Marilyn seria o escolhido, independente dos co-stars estarem bem ou não nesse mesmo take.

Como Joshua Logan também era uma alma hipersensível, vítima de insônia e exaustão, ele era solidário com os problemas pessoais e as lutas criativas de Marilyn Monroe. Nos últimos anos, ele a descreveu como uma grande atriz, uma combinação de Greta Garbo e Charles Chaplin. “Ela foi a atriz mais constantemente excitante com quem já trabalhei, e essa excitação não estava relacionada à sua celebridade, mas à sua humanidade, à maneira como ela via a vida ao seu redor.” O diretor soprava falas para ela durante filmagens, tinha paciência e atenção para com as ideias de Marilyn para o filme e sua personagem. Ele também tolerou a presença constante de Paula Strasberg (esposa de Lee) como acting coach de Marilyn nos bastidores.

Críticos de cinema como André Bazin e François Truffaut elogiaram Logan como um autor, já que defendiam a ideia do diretor como responsável pela excelência artística da obra cinematográfica como um todo através da sua direção (mise-en-scène), isto é, um autor com o seu estilo próprio e único, e não meros trabalhadores de uma indústria de entretenimento. Entre seus filmes americanos da década de 50, Férias de Amor e Nunca Fui Santa estão entre os mais queridos. Bus Stop não recebeu boas críticas apenas por ter Marilyn Monroe no elenco. Bazin argumentou que o ponto alto do filme está na sua verdade social.
(…) Paradoxalmente, os campeões da politique des auteurs admiram o cinema americano, onde as restrições de produção são mais pesadas do que em qualquer outro lugar. Também é verdade que é o país onde as maiores possibilidades técnicas são oferecidas ao diretor. Mas um não anula o outro. Admito, porém, que a liberdade é maior em Hollywood do que se diz, desde que se saiba detectar suas manifestações, e chegarei a dizer que a tradição dos gêneros é uma base de operações para a liberdade criativa. . O cinema americano é uma arte clássica, mas por que não admirar nele o que há de mais admirável, ou seja, não apenas o talento deste ou daquele cineasta, mas o gênio do sistema, a riqueza de sua tradição sempre vigorosa e sua fertilidade ao entrar em contato com novos elementos — como foi comprovado, se necessário, em filmes como Um americano em Paris, A coceira de sete anos e Parada de ônibus. É verdade que Joshua Logan tem a sorte de ser considerado um autor, ou pelo menos um autor iniciante. Mas então quando Picnic ou Bus Stop recebem boas críticas o elogio não vai para o que me parece ser o ponto essencial, ou seja, a verdade social, que obviamente não se oferece como um objetivo que basta em si mesmo, mas é integrado a um estilo de narração cinematográfica, assim como a América pré-guerra foi integrada à comédia americana.
André Bazin (tradução livre)

O único porém do filme é o personagem do cowboy que pode soar extremamente machista e irritante durante o filme, até para os menos radicais nesse departamento. Apesar de Don Murray ser um bom ator e ter feito bem o papel, lhe rendendo uma indicação ao Oscar de coadjuvante, o personagem chega a irritar com o seu assédio para com Chérie. E quanto ao eventual desfecho romântico dos dois, alguns podem considerar como uma romantização forçada, mas enfim, deixo para o espectador tirar suas próprias conclusões. Seguindo o contexto do filme, os dois crescem durante a história e depois de muito drama e conflito conseguem chegar num ponto de equilíbrio e eventualmente decidem ficar juntos.

Ainda que achasse Marilyn uma colega de trabalho difícil, Don Murray elogiou o trabalho da atriz e disse que ela merecia o reconhecimento da Academia e da crítica pelo seu trabalho.
As pessoas zombavam muito dela. Devo dizer que realmente a admiro pelo modo como ela se importou o suficiente com a forma de arte dos filmes para realmente deixar Hollywood no auge de sua fama e não se contentar em ser apenas um símbolo sexual. Ela queria ser uma atriz de verdade. Quando ela deixou Hollywood por um ano para estudar no Actors Studio em Nova York, “Bus Stop” foi seu filme de retorno. E eu achei que ela estava magnífica nele, embora ela estivesse sempre atrasada no set e ela tivesse dificuldade em lembrar suas falas. Ela também tinha um período de concentração muito curto: ela começava uma cena e parava no meio porque esquecia suas falas. Então ela teve que fazer todas as suas cenas em pequenos pedaços porque ela não conseguia sustentar uma cena até o fim. Nós nunca vimos uma cena completa com ela. Todos os atores do filme vieram do palco, como Hope Lange e eu, Arthur O’Connell, Eileen Heckart — todos no filme — então estávamos acostumados a ter uma performance contínua e íamos conferir os rushes (filmagens não editadas das gravação) para ver o trabalho de ontem . Víamos todos esses pequenos pedaços e achávamos que o filme seria um desastre. No entanto, a primeira vez que o vimos em uma pré-estreia, de repente percebemos qual era a magia dos filmes, com a edição e corte tudo junto; ela era magnífica! Eu nunca entendi por que ela não foi indicada [para um Oscar] por “Bus Stop”. Foi vencida por Ingrid Bergman — uma atriz maravilhosa, não há dúvida sobre isso — mas a atuação de Marilyn em “Bus Stop” foi muito mais rica, teve muito mais variedade e foi muito mais interessante do que a personagem de Ingrid Bergman em “Anastasia”. .” Enquanto isso, fiquei surpreso por ter sido indicado. Assim como o estúdio, na verdade. Um dia eu estava no set de “A Hatful of Rain” [1957, dir. Fred Zimmerman], e um dos chefes de publicidade veio até mim. ‘Parabéns!’ Eu disse: ‘Pelo quê?’ Ele disse: ‘Você foi indicado ao Oscar ontem!’ Eu disse: ‘Fui?’ Isso não é incrível? Você foi indicado e ninguém estava pressionando por você! Foi completamente espontâneo, algo inédito em Hollywood!” Então foi uma surpresa total para todos nós.

7. O PRÍNCIPE ENCANTADO (The Prince and the Showgirl, dir. Laurence Olivier, 1957)

Em 1953, Larry Olivier e Vivien Leigh já haviam vivido no teatro The Sleeping Prince. Em 1956 começaram os trabalhos para uma adaptação cinematográfica da peça de Terence Rattigan. Vivien, no entanto, já tinha mais de 40 anos e foi considerada velha para o papel. Marilyn comprou os direitos da peça e escolheu esse projeto como o seu primeiro filme independente pela Marilyn Monroe Productions (Nunca Fui Santa ainda tinha tido participação da Fox na produção).
Nasceu assim a parceria inusitada entre Monroe e Olivier, relação essa que a princípio foi promissora. Larry não só iria protagonizar, mas também dirigir o filme. Com a exceção de Marilyn, o elenco era predominantemente britânico e as filmagens se deram em Londres, no Pinewood Studios.

De início as estrelas estavam animadas e todos sorrisos. Mas ao longo do trabalho, os dois geminianos não se deram tão bem assim. Larry ficava furioso com as dificuldades de Marilyn. Como de costume, M.M. chegava atrasada (alegadamente desarrumada e pouco limpa), nunca dizia uma fala da mesma forma mais de uma vez e não conseguia seguir as suas marcações de cena corretamente. Olivier, por sua vez, alegadamente a tratava por “bitch” em off e chegou a dizer para Marilyn “apenas ser sexy” — o que deixou a atriz furiosa. Ele não suportava a presença de Paula Strasberg, amiga e treinadora dramática de Monroe. No auge de sua fúria, Larry proibiu a presença de Paula no set, mas Marilyn se recusou a continuar filmando sem sua coach.

De qualquer forma, os dois provaram ser ótimos atores, pois assistindo ao filme, que é bem leve, nem percebemos a tensão do set. O Príncipe Encantado não é um filme inesquecível, é até um tanto longo e sem grandes surpresas, mas é um conto de fadas às avessas com o típico e único charme britânico. O roteiro tem espírito e humor perspicaz. É uma curiosa história de amor e sedução entre a showgirl simplória Elsie Marina e o arrogante príncipe Charles. Apesar da tradução brasileira, não espere de fato uma história nos moldes de Cinderela. É mais a corista, com sua honestidade e jeito espontâneo de ser, que muda a vida do príncipe regente. Além das estrelas principais, os coadjuvantes roubam a cena — destaque para a veterana Sybil Thorndyke, a rainha avó do príncipe.

Pelo filme, Marilyn recebeu o prêmio italiano David di Donatello em 1958 por Melhor Atriz Estrangeira. E também um Crystal Star Awards pela mesma categoria em 1959. O longa foi mais bem-sucedido no Reino Unido, enquanto teve um desempenho razoável de bilheteria nos Estados Unidos. Conforme acordado, Marilyn recebeu 75 por cento dos lucros da produção.
Os bastidores do filme serviram de inspiração para o livro, depois filme, My Week with Marilyn. Laurence Olivier não gostou da experiência de trabalhar com a musa loira; contudo, ele disse que era impossível não se apaixonar por ela, nem que fosse um pouco. E a havia achado uma criatura peculiar e extremamente interessante ao conhecê-la.

8. ADORÁVEL PECADORA (Let’s Make Love, dir. George Cukor, 1960)

Era 1959 para 1960 e de um acordo de quatro filmes para a Fox desde 1956, Marilyn havia feito apenas Bus Stop. O Príncipe Encantado foi filmado na Inglaterra e distribuído pela Warner; Quanto Mais Quente Melhor, talvez o seu maior triunfo artístico como comediante, foi produzido pela United Artists. Antes de começar Os Desajustados, escrito por seu marido da época Arthur Miller, Marilyn teve que aceitar fazer Adorável Pecadora por obrigações contratuais. Nomes como Gregory Peck, Rock Hudson e Cary Grant foram cogitados para o galã do filme, até a produção eleger, inesperadamente, o ator e cantor francês Yves Montand para o papel de co-star de Marilyn.
O set foi caótico, como de costume. Não chegou a ser uma tragédia ou cheio de barracos, mas muitas foram as reformulações, atrasos e contratempos, sejam os atrasos e problemas pessoais de Marilyn, reescritas do roteiro para melhorar a história, ou até mesmo o fato de Yves Montand não saber falar inglês muito bem. Tanto Marilyn como o diretor George Cukor não deram grande valor ao filme. A relação dos dois nunca foi um mar de rosas. Os dois eram perfeccionistas; se Marilyn já demandava inúmeros retakes pelos problemas com falas e marcações, Cukor era um diretor que gostava de filmar uma mesma cena várias vezes até ficar satisfeito. Ele também não parecia ter a atriz em muita estima. Ela não teve sua beleza realçada pela direção, pelo roteiro, muito menos pelo seu guarda-roupa que deixou muito a desejar. Parecia que a Fox estava se lixando para sua então maior estrela…


Talvez não fosse o seu momento mais feliz pessoalmente. Na verdade, não era mesmo, mas as coisas ainda iriam piorar, como vimos nos bastidores do filme seguinte, Os Desajustados. O casamento com Arthur Miller já era só conveniência e as esperanças que ela havia tido no início da relação foram por água abaixo. Sem nenhum pudor, Marilyn e Yves Montand tiveram um caso durante as filmagens de Let’s Make Love. Mas o caso acabou logo que as gravações terminaram e Montand voltou para a França. Os rumores não param apenas no affair dos protagonistas: há quem diga que Marilyn ficou grávida de Yves Montand, mas como já tinha acontecido no passado, ela sofreu um aborto.

Profissionalmente M.M. estava menos feliz ainda: ela elegeu sua personagem de Adorável Pecadora como vazia e a pior de sua carreira. Mas naquela mesma época de filmagens, em 1959, ela recebeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Comédia ou Musical por sua adorável performance como Sugar Kane em Some Like it Hot.

Basicamente é a história de um milionário excêntrico, Jean-Marc Clément (Yves Montand), irritado com o fato de sua vida estar sendo satirizada em um musical off-Broadway. Mas quando o mesmo vai pessoalmente assistir parte do show, fica logo atraído por Amanda (Marilyn Monroe), atriz da companhia de teatro. O diretor, por ironia, acha que Jean-Marc ficaria bem interpretando ele mesmo no show. Jean-Marc aceita, mas só para poder ficar perto de Amanda, sob um nome artístico falso e sem revelar sua verdadeira identidade. A partir daí começam as confusões e mal entendidos. A história foi levemente adaptada de um antigo musical da Fox, On the Avenue (Avenida dos Milhões, dir. Irving Cummings,1937), mas com os sexos dos protagonistas trocados.
Apesar de tudo, eu tenho que dizer que gosto do filme. Não é um grande musical (chega até a ser meio camp), sua história não justifica quase duas horas de duração, e o guarda-roupa de Marilyn poderia ter sido muito melhor (ou deixava ela gorda ou as roupas pareciam maiores do que ela). No entanto, é um bom divertimento e a trilha sonora tem o seu charme. Eu particularmente amo a faixa My Heart Belongs to Daddy. As participações especiais de Gene Kelly, Milton Berne e Bing Crosby também levantam o moral da obra. Enfim, um guilty pleasure para os fãs de M.M., para não se levar a sério.


9. SOMETHING’S GOT TO GIVE — SEU ÚLTIMO FILME, INCOMPLETO (dir. George Cukor, 1962)
“Eu sei que eu nunca vou ser feliz, mas eu sei que eu posso ser alegre!”
M.M.

Naquela época, 1962, Marilyn havia comprado sua primeira casa, após anos de carreira e estrelato em casas alugadas. Seu psicanalista Ralph Greenson sugeriu a atriz para “fincar raízes”.
Ela escolheu o número 12305 na Fifth Helena Drive, uma vizinhança discreta e escondida em Brentwood, Los Angeles. A casa é bonita, espaçosa e aconchegante, mas nada muito luxuoso e ostensivo. Comum da área de LA, é uma casa em estilo espanhol/mexicano. Marilyn fez algumas viagens até o México para escolher móveis e itens de decoração para o seu novo lar, o qual ainda estava em vias de deixar do seu jeitinho quando faleceu.

Mas voltando ao cinema, o seu último filme tinha tudo de promissor. Um excelente elenco (M.M., Dean Martin, Cyd Charisse, etc.), um ótimo diretor (George Cukor), belos cenários e figurinos, trilha sonora de Frank Sinatra e uma história divertida que já havia rendido um excelente clássico da comédia anos antes, Minha Esposa Favorita (My Favorite Wife, direção do excelente e criativo Garson Kanin, 1940).

O poema Enoch Arden, de Alfred Lord Tennyson, inspirou diversos filmes no cinema, cômicos e dramáticos. A comédia se fartou na história de uma esposa que passa anos desaparecida após um naufrágio e depois volta justamente quando o marido está prestes a se casar com outra mulher, daí complicações se sucedem. No filme incompleto de 1962, Marilyn volta quando Dean Martin acaba de voltar da lua de mel com Cyd Charisse. Esse novo casamento não a impede de tentar seduzir Martin e trazê-lo de volta para ela.

A cena mais marcante com certeza é quando Marilyn nada nua na piscina. Originalmente, a atriz usaria um maiô cor de pele, mas ela surpreendeu a produção quando começou a tirar peça por peça do seu biquíni durante as filmagens da cena na piscina. Foi um arraso e ela pareceu estar se divertindo horrores, vide suas gargalhadas tão particulares suas. Ela viu na cena uma oportunidade de dar um up no filme, que ela pessoalmente achava frágil. Marilyn sabia que precisava de um hit naquele estágio de sua carreira, e ela estava disposta a usar todas as suas armas para tal.

Marilyn estava radiante, platinadíssima e com um guarda-roupa maravilhoso. Emanava um ar de mais maturidade, afinal ela já tinha 35 para 36 anos durante as filmagens. E mais: pela primeira vez, Marilyn interpretava uma mãe em cena, pois a sua personagem na história era casada e tinha dois filhos. É bem doce e comovente a famosa cena de seu retorno e encontro com os filhos (que ainda não sabem naquele momento que ela é a mãe deles).
A Fox só pensava em Elizabeth Taylor e seu Cleópatra, projeto ostensivo e milionário que quase levou o estúdio à falência. Marilyn, por sua vez, se sentia desvalorizada e cada vez mais descontente. O seu filme estava atrasado, acima do orçamento e sem um roteiro pronto. Os roteiros vinham em cima da hora e ela cansada de ter que decorar falas pouco antes de gravar. George Cukor era um diretor que gostava de filmar uma mesma cena diversas vezes, algo que deixava Marilyn nervosa e tensa. Cukor odiava a presença constante de Paula Strasberg como coach de Marilyn.
A atriz começou a ter problemas de saúde — sinusite e resfriado — mas a Fox não deu muita importância e continuou com as filmagens. Eles já não tinham gostado dela ter ido cantar Happy Birthday para o Presidente Kennedy em maio. Sobre suas constantes faltas no trabalho, disseram que Marilyn estava “mentalmente perturbada e mentindo sobre estar doente” e resolveram demiti-la no dia 8 de junho, uma semana depois de seu último aniversário, no dia 1 — ironicamente o seu último dia oficial de trabalho no projeto.

A Fox acabou voltando atrás, lhe concedendo um novo contrato milionário e jogando as gravações do filme inacabado para outubro. Marilyn faleceu na noite do dia 4 de agosto.

Agora vivo no meu trabalho e em alguns relacionamentos com as poucas pessoas com quem posso realmente contar. A fama vai passar e, por tanto tempo, eu tive você, fama. Se passar, sempre soube que era inconstante. Então, pelo menos é algo que eu experimentei, mas não é onde eu vivo.
Marilyn para a revista LIFE em julho de 62, semanas antes de falecer


Felizmente, o que existe de Something’s Got to Give foi resgatado e está preservado para nós assistirmos. Pode ser visto no documentário lançado em DVD no Brasil Marilyn Monroe: O Fim dos Dias. Está completo no Youtube também, por volta de 35 minutos de filmagens. É uma comédia romântica deliciosa que certamente poderia ter virado um clássico e dado um up na carreira de Marilyn. Quando a última cena termina, deixa um eterno gosto de quero mais…

“Ela sutilmente subverteu o conteúdo sexista de seu material. (…) a dificuldade que algumas pessoas têm em discernir a inteligência de Monroe como atriz parece enraizada na ideologia de uma era repressiva, quando mulheres super femininas não deveriam ser inteligentes”.
Jonathan Rosenbaum
BÔNUS: FILMES MENORES MAS NÃO MENOS INTERESSANTES
Vou citar e recomendar brevemente mais alguns filmes menores de sua carreira, só para não passarem em branco.
Só a Mulher Peca (Clash by Night, dir. Fritz Lang, 1952). Marilyn fez um papel coadjuvante num filme americano de Fritz Lang, estrelado pela musa Barbara Stanwyck. As duas contracenam e o drama é ótimo, bem subestimado. Os homens são deveras irritantes e machistas, mas eu ainda acho que a mulher triunfa in the end.

O Segredo das Joias (The Asphalt Jungle, dir. John Huston, 1950) foi o primeiro grande “break” de Marilyn no cinema, mesmo que ela apareça só poucos minutos. Por ironia, ela ficou tão famosa que hoje muitos dos pôsteres do longa a colocam bem em destaque, ignorando o fato dela ter apenas poucos minutos de screen time. Anyway, é um noir muito bom que merece ser visto!

O Inventor da Mocidade (Monkey Business, dir. Howard Hawks, 1952) sofre do mesmo mal: só lembram por ter Marilyn no elenco, mesmo que também só coadjuvante que aparece pouco. Ela está bem e divertida, mas o filme é mesmo dos sempre excelentes na comédia Cary Grant e Ginger Rogers (plus Charles Coburn, o coadjuvante vovô de todos). Para quem gosta de comédias clássicas despretensiosas, não deixe de conferir.

O Mundo da Fantasia (There’s no business like show business, dir. Walter Lang, 1954) eu diria que é um dos filmes mais esquecíveis da Marilyn (lógico que eu não vou enaltecer tudo o que ela fez, risos — ela mesma não gostou de fazer e só o fez por questões de contrato). Mitzi Gaynor, colega de elenco ainda viva aos 91 anos, comentou que Marilyn era uma garota insegura e inocente rodeada por víboras no set estelar e tenso daquele musical leve e artificial. De qualquer forma, o momento mais memorável é justamente quando Marilyn canta a música Lazy ao lado de Gaynor e Donald O’Connor. Ela também manda bem no número After You Get What You Want You Don’t Want It. Os momentos musicais de Marilyn nos lembram que ela não era só uma atriz boa e versátil, mas também muito talentosa como cantora (mesmo não profissional).

E claro, não esqueçam de sua ponta memorável em A Malvada, com Bette Davis e amigos da Fox!
(Se Marilyn era da Fox, e a Disney comprou a Fox, seria Marilyn agora uma Princesa Disney?)

EPÍLOGO: UMA DESAJUSTADA EM HOLLYWOOD (nas palavras da mesma)

“Eu tenho muitos maus hábitos sociais. As pessoas estão sempre me dando sermão sobre eles. Eu estou invariavelmente atrasada para compromissos, às vezes até mais de duas horas. Eu tentei mudar meu jeito, mas as coisas que me atrasam são muito fortes — e muito excitantes.

Quando eu tiver que estar em algum lugar para jantar às oito horas, vou ficar na banheira por uma hora ou mais. Oito horas vão e vêm e eu ainda permaneço na banheira. Eu continuo despejando perfumes na água e deixando a água escorrer e reenchendo a banheira com água fresca. Eu esqueço das oito horas e do meu jantar. Eu continuo divagando e me sentindo longe.

Às vezes eu sei a verdade do que estou fazendo. Não é Marilyn Monroe na
banheira, mas Norma Jean. Estou a dar um mimo à Norma Jean. Ela costumava tomar banho com água usada por seis ou oito outras pessoas. Agora ela pode se banhar em água tão limpa e transparente como uma vidraça. E parece que Norma não se cansa de água fresca do banho que cheira a perfume de verdade.
Há outra coisa que ajuda a me deixar “atrasada”. Depois que eu saio da banheira eu passo muito tempo passando cremes na minha pele. Eu amo fazer isso. Às vezes outra hora passará, felizmente.

Quando finalmente começo a vestir minhas roupas, me movo o mais devagar que posso. Eu começo a me sentir um pouco culpada porque parece haver um impulso em mim para chegar tão tarde quanto possível para o meu jantar. Faz algo em mim feliz — por estar atrasada. As pessoas estão esperando por mim. As pessoas estão ansiosas para me ver. Eu sou desejada. E eu me lembro dos anos em que fui indesejada. Todas as centenas de vezes que ninguém queria ver a garotinha, Norma Jean — nem mesmo sua mãe.

Sinto uma estranha satisfação em punir as pessoas que estão me querendo agora. Mas não são eles que estou realmente punindo. É há muito tempo atrás as pessoas que não queriam Norma Jean. Não é só punição que eu sinto. Eu me emociono como se fosse Norma Jean indo para uma festa e não Miss Monroe. Quanto mais tarde estou, mais feliz fica Norma Jean.

As pessoas não gostam de mim por tanto atraso. Eles me repreendem e me explicam que é porque quero parecer importante e fazer uma entrada espetacular. Isso é em parte verdade, exceto que é Norma que anseia por importância — e não eu.

Minhas falhas sociais como esta, e também não poder rir o tempo todo
em festas como se eu estivesse desmaiando de alegria, ou não ser capaz de continuar tagarelando como um papagaio para outros papagaios — parecem menos importantes para mim do que algumas falhas sociais que eu noto nos outros.

A pior coisa que acontece com as pessoas quando elas se fantasiam e vão a uma festa é que eles deixam seus verdadeiros eus em casa. Eles são como pessoas em um palco interpretando outras pessoas. Eles fingem que são importantes e querem que você conheça sua importância, não eles mesmos. Mas pior do que isso é o fato de que quando as pessoas estão sendo “sociais” elas não ousam ser humanas ou inteligentes. Eles não se atrevem a pensar algo diferente do que as outras pessoas na festa. Os homens e as mulheres não apenas se vestem da mesma forma, mas suas mentes se tornam todas iguais. E eles esperam que todos na festa digam apenas “coisas de festa”.

Eu congelo quando vejo pessoas fazendo caretas importantes para mim, ou quando percebo eles se exibindo para o “baixo clero” da festa. Eu gosto de pessoas importantes, mas eu gosto quando eles estão fazendo coisas importantes — não apenas colecionando reverências dos convidados menores.

Na sociedade das festas também há pessoas que não conseguem se sentir importantes — mesmo se é uma festa importante e seus nomes vão estar nas colunas do filme na manhã seguinte “entre os presentes”. Essas pessoas geralmente apenas se moem como figurantes em um set de filmagem. Eles não parecem ter nenhuma linha ou quaisquer “negócios”, exceto para serem preenchimentos de espaço ornamentais.

Mas não posso sentir pena deles porque no minuto em que me junto a um desses “grupos extra” todos eles começam a tagarelar como loucos e rir e dizer coisas que ninguém pode entender. Sinto que ao terem encontrado alguém mais inquieto do que eles mesmos — eu — eles querem me impressionar com a alegria e intimidade que eles estão tendo.

As festas de Hollywood não só me confundem, mas muitas vezes me desiludem. A desilusão vem quando encontro uma estrela de cinema que admiro desde a infância. Sempre pensei que as estrelas de cinema eram pessoas excitantes e talentosas, cheias de personalidade especial. Encontrando um deles em uma festa, geralmente descubro que ele (ou ela) é incolor e até assustado (a). Muitas vezes fiquei em silêncio em uma festa por horas ouvindo meus ídolos do cinema se tornarem pessoas chatas e pequenas.

Encerro essa pequena homenagem com a minha quote favorita de M.M., que combina perfeitamente com ela mesma:
“Imperfeição é beleza, loucura é gênio. É melhor ser absolutamente ridículo do que absolutamente chato.”

Marilyn Monroe (1926–1962)

Pedro Dantas
Setembro de 22

Trechos aleatórias foram retirados da autobiografia inacabada da atriz, My Story, escrita por ela e Ben Hecht até o ano de 1954 mas só publicada em 1974.