Marilyn Monroe: Os Filmes Esquecidos da Atriz (e mais sobre o ícone)

Pedro Dantas
44 min readSep 29, 2022

A fotógrafa Eve Arnold capturou registros intimistas e melancólicos da estrela durante as filmagens de um de seus melhores e mais subestimados filmes: o drama Os Desajustados (1961). Deserto de Nevada, EUA

Aproveitando o momento atual, no qual o nome de Marilyn Monroe volta aos trends por conta da sua nova cinebiografia e também pelos seus 60 anos de morte em 2022, eu quero trazer e destacar parte do trabalho do grande ícone como atriz de cinema. Apesar de Marilyn ser ainda uma figura icônica e atemporal — mostrada, referenciada, citada, parodiada, reproduzida e estampada à exaustão na cultura pop — ela ainda é extremamente subestimada como artista. Muita gente, que pouco a conhece a não ser pelo seu nome e sua figura, nem sequer sabe que ela era uma atriz de cinema, apenas que era famosa e um sex symbol de antigamente e fim. Ou no máximo que cantou Happy Birthday para o John Kennedy. Marilyn foi mais, muito mais do que isso.

Geminiana curiosa e inquieta, Marilyn tinha uma biblioteca pessoal com mais de 400 títulos, contrariando o famoso rótulo de loira burra que lhe era atribuído

Mesmo sendo fã, eu sei reconhecer as limitações pessoais de M.M.: alguns maneirismos, dependência constante de coachs de atuação, falta de concentração e de profissionalismo durante as filmagens, etc. Mas eu realmente a considero uma boa atriz, ao contrário de muitos que só lembram dela ser bonita, sensual e dona de um magnetismo forte em cena. A câmera a amava, de fato, tanto quanto amou Chaplin e Greta Garbo; seu apelo popular com bilheterias permanece incontestável, mas Marilyn tinha um talento particular à parte de sua beleza. Dona de uma sensibilidade pungente, ela conseguia transmitir emoções de forma natural e instintiva. Ela se encontrou no método justamente porque viveu muitas situações dramáticas e complexas durante sua juventude, logo ao compor um papel e representar, ela podia trabalhar em cima de suas experiências pessoais agridoces para então viver de fato a personagem. Uma pena mesmo ela não ter tido mais papéis dramáticos no cinema. Seu sonho era poder interpretar papéis complexos e viscerais como Blanche DuBois, de Um Bonde Chamado Desejo de Tennessee Williams, ou fazer alguma tragédia de Shakespeare.

“Eu estou sempre sozinha”, diria em suas anotações fascinantes que podem hoje ser lidas no livro Fragmentos. Em festas, ela quase sempre estava à parte, imersa em seus pensamentos

“As excentricidades e neuroses de Monroe nos bastidores se tornaram notórias, mas os estúdios a toleravam muito depois de qualquer outra atriz ter sido banida porque o que eles conseguiam de volta na tela era mágico”

Roger Ebert

M.M. conseguia fazer comédias com charme, elegância e timing cômico perfeito. E é um fato conhecido no meio artístico que comédia pode ser um gênero bem mais desafiador do que o drama, ainda que o Oscar e a indústria de forma geral sempre glorifiquem mais as performances dramáticas. Ela podia dar dor de cabeça nos sets de filmagem pelos seus recorrentes atrasos e problemas de concentração com as falas e inúmeros takes, mas Marilyn trabalhou com muitos dos maiores diretores em Hollywood. Dona de um currículo invejável, ela foi dirigida por nomes como Billy Wilder, Howard Hawks, Fritz Lang, Otto Preminger, George Cukor, Henry Hathaway, entre outros. Poderia dizer que ela era imposição do estúdio ou apelo de bilheteria, mas sem a presença de Marilyn esses mesmos filmes perderiam boa parte ou tudo de seus encantos. O que seria de clássicos como Quanto Mais Quente Melhor ou O Pecado Mora ao Lado sem o charme irresistível de Marilyn Monroe como Sugar Kane e A Garota? Boas comédias ainda, certamente, mas talvez não mais clássicos que atravessam o tempo.

Marilyn pode não ter tido a grande oportunidade de sair do estereótipo de loira burra e fazer papéis mais profundos, mas ela tentou até seus últimos momentos conseguir melhores papéis e ser valorizada como profissional.

Ela frequentou o Actors Studio durante os anos 50 e se tornou íntima de Lee Strasberg, patriarca do famoso “método” de atuação que inspirou atores como Marlon Brando, Montgomery Clift, Paul Newman, Jane Fonda, James Dean e Robert De Niro. Pessoas que assistiram lá a uma performance de Marilyn como Anna Christie, de Eugene O’Neill, diriam que viram ali uma das melhores performances dramáticas de suas vidas. Ela tinha tanto foco e determinação para com a arte da atuação que acabou ganhando o respeito de seus colegas.

Something’s Got to Give parecia ser o início de um novo momento na carreira e na vida pessoal de Marilyn Monroe naquele seu último ano, 1962. Ela já estava mais madura como pessoa e como atriz. Pela primeira vez, ela interpretava uma mãe em um filme — papel que ela quis muito na vida real, mas nunca concretizado. George Cukor não era sua pessoa favorita e vice-versa, depois de uma produção caótica em Adorável Pecadora, mas de novo estavam trabalhando juntos. Dean Martin foi gentil e muito paciente com os deslizes de Marilyn nas filmagens, raramente perdendo a paciência; ele se recusou a fazer o filme com outra atriz quando Marilyn foi demitida. Ela não ia bem de saúde, estava muito insegura e a Fox concentrava toda a sua energia em Elizabeth Taylor e o flop retumbante de Cleópatra. Ela acabou demitida, e recontratada tarde demais…

A noite lhe dava muita ansiedade. Sofria de insônia e não conseguia dormir sem remédios. Preferia fazer sexo de dia, de preferência em pé. Fotos do seu fotógrafo e amigo André de Dienes

Os medalhões da Old Hollywood, no geral pessoas workaholic e disciplinadas, sentiam um misto de ternura e antipatia pela postura indisciplinada de Marilyn como profissional. Greta Garbo, mesmo achando os filmes dela pavorosos, ficou fascinada por Marilyn, a tal ponto que comentou informalmente um desejo de fazer uma versão filmada de Dorian Gray com ela (com os sexos dos personagens trocados para o feminino, lembrando que Garbo adorava a ideia de interpretar homens e viver como andrógena). Joan Crawford a criticou em vida, chamando-a de vulgar pra baixo, mas após sua morte chorou inconsolavelmente na casa de George Cukor. Crawford e tantas outras estrelas, por mais duronas e fortes que tivessem sido, sabiam que haviam sido usadas e exploradas como pedaços de carne em um açougue pelos estúdios e pelo star system, não muito diferente da estrela Marilyn Monroe, concebida e depois destruída pela mesma indústria.

“Eu estou com medo”, disse Marilyn para Judy Garland, alguém que ela queria como confidente e achava que entenderia os seus problemas. Não à toa, Over the Rainbow foi a música escolhida por Marilyn para o seu funeral

Judy Garland comentou que Marilyn a seguiu num evento dizendo estar com medo, e que não queria sair de perto dela. Elas ficaram na promessa de conversar melhor, mas isso nunca aconteceu e Marilyn faleceu pouco depois. Judy acreditava que Marilyn não tinha se suicidado, e sim que tinha sido um incidente, resultado de muitas pílulas e solidão. Judy Garland faleceria também de overdose acidental em 22 de junho 1969, aos 47 anos.

A casa de Marilyn na altura de sua morte continuava com recintos vazios e muitas caixas de mudança. Aqui o seu quarto no fatídico 5 de agosto quando seu corpo foi encontrado sem vida na cama, ao lado de um telefone

Marilyn pode não ser a maior atriz do planeta, e não precisava ser, aliás acho que muitos a menosprezam porque sentem que ela não merece a fama toda que tem sendo que havia muito mais atrizes em Hollywood, e realmente existiam e eram incríveis, como Bette Davis, Katharine Hepburn, Barbara Stanwyck, Joan Crawford, Elizabeth Taylor e assim por diante. Popularidade à parte, Marilyn acabou sendo mais do que uma atriz, tornou-se uma lenda, um mito, um ícone que atravessa o tempo. Uma glória e um grande fardo ao mesmo tempo. Gostaria de pontuar no meu artigo mais dela como profissional, afinal toda essa hype continua ofuscando o seu trabalho, mas também quero lembrar um pouco dela como ser humano, mulher. No fim das contas, pode ser um grande clichê, mas Marilyn só queria ser amada. Ela viveu uma grande solidão desde a sua infância em orfanatos e morando de casa em casa, sempre com estranhos. Conseguiu na idade adulta ser amada por milhões, calar a boca de muitos que a consideravam só uma vagabundinha ordinária ou uma jovem medíocre e sem graça, mas até o fim de seus dias ela foi uma jovem mulher extremamente solitária e sozinha no mundo. Não a pessoa mais fácil, afinal era uma geminiana instável e cheia de flutuações de humor, mas para tudo de bom e ruim que ela viveu intensamente e de forma breve, ela foi sim uma mulher muito forte.

De peruca preta imitando Jacqueline Kennedy, 1962. Ela usava peruca em público às vezes para se manter irreconhecível

Ainda que fosse frágil e melancólica, Marilyn sempre foi muito determinada e alguns de seus conhecidos diziam que nunca viram alguém tão focado em ser uma estrela e fazer sucesso com o seu trabalho. O sucesso não veio rápido: ela passou seus primeiros anos como atriz flopada na Fox fazendo papéis pequenos ou figuração, quase sempre quebrada e passando perrengues em Los Angeles até os anos 50 trazerem enfim bons frutos para ela. Nem mesmo o fato de ter feito fotos nua no início da carreira ofuscou o brilho de seu estrelato perante o público quando a informação caiu na imprensa, aliás talvez tenha até mesmo aumentado a sua fama.

Sua morte foi trágica e triste, mas com certeza no além da vida ela pôde enfim descansar e encontrar a paz que não teve na Terra.

Cursum Perficio — a ironia do azulejo na última casa de M.M. que se traduz como “fim da minha jornada”

Ela nos deixou ainda na flor da idade, aos 36 anos e com muitas possibilidades pessoais e profissionais não realizadas. Mas durante sua trajetória, Marilyn nos brindou com muitas performances de boas para excelentes, que merecem mais valor e atenção. Adoro seus filmes mais famosos, como Quanto Mais Quente Melhor (Some Like it Hot, 1958, dir. Billy Wilder), O Pecado Mora ao Lado (The Seven Year Itch, 1955, dir. Billy Wilder) e Os Homens Preferem as Loiras (Gentlemen Prefer Blondes, dir. Howard Hawks, 1953). Mas não falarei deles aqui, talvez em outro post com mais riqueza de detalhes. Hoje quero comentar sobre seus filmes menos lembrados, os esquecidos.

Só queria relembrar o mundo que As Branquelas se inspirou em Some Like it Hot na base de sua história — dois homens travestidos de mulher para esconderem suas reais identidades. O resto é história…
O Pecado Mora ao Lado é uma ótima comédia que merece ser vista! Muito mais do que só a cena do vestido branco no metrô… Com Billy Wilder nas filmagens, 54–55
Os Homens Preferem as Loiras é um musical cômico sensacional, combinação perfeita de talentos: Marilyn com a ótima Jane Russell, essa na época já uma estrela consagrada. Quando Monroe percebeu que ganhava menos e mal tinha um camarim pra ela mesma, argumentou: eu sou a loira, e o nome do filme é Os Homens Preferem as Loiras. Acho que eu mereço mais… Anyway, Jane Russell lembrou da colega como “muito tímida e muito doce, e muito mais inteligente do que lhe davam crédito”. Na foto as duas atrizes colocam suas assinaturas e marcas no cimento do Chinese Theater

Infelizmente, o seu escasso trabalho dramático é relegado ao limbo, isso quando não assistem e falam que ela está medíocre. Farei o contrário: quero iluminar e mostrar seu trabalho sob uma perspectiva pessoal, parcial sim mas sem fugir da realidade. Apesar de ser o seu aniversário de morte, eu quero celebrar a sua vida e a sua arte! Enfim, ladies and gentlemen, the late — and great — Marilyn Monroe.

Um de seus momentos mais felizes: quando cantou para os soldados na Coreia em 1954

SEUS FILMES QUE MERECEM SER MAIS VISTOS E LEMBRADOS

  1. OS DESAJUSTADOS (The Misfits, dir. John Huston, 1961)

A história era até simples: personagens solitários à deriva na vida se encontram por acaso e seguem juntos em busca de um novo sentido para si mesmos, na tentativa de (res)significarem suas existências. Roslyn (Marilyn Monroe) e sua amiga Isabelle (Thelma Ritter) estão juntas em um bar de Reno, Nevada — antigamente a capital americana dos divórcios, já que ainda não era possível em todos os estados americanos. Recém-divorciada e melancólica, Roslyn fica logo atraída pelo cowboy Gay Langlard (Clark Gable) e se envolve com o mesmo, indo morar com o vaqueiro numa casa afastada de propriedade dele e de seu amigo Guido (Eli Wallach). O grupo ainda conhece durante um rodeio o falido peão Perce Howland (Montgomery Clift). Os três cowboys desajustados resolvem se unir num novo negócio: caçar cavalos selvagens no meio do deserto. Roslyn segue o grupo na aventura, mais pelo fato de estar apaixonada por Gay, que também se fascina pela jovem mulher linda e triste. Ao longo dessa jornada dramática e agridoce, a ciranda de emoções entre os personagens fica cada vez mais densa e em vias de explodir.

Os desajustados se encontram por acaso e suas vidas nunca mais seriam as mesmas depois

The Misfits não foi nenhum sucesso de público e crítica. A performance de Marilyn foi até descrita como “vazia” pelo New York Times da época. Ela recebeu, no entanto, um Globo de Ouro como “World’s Film Favorite” em março de 1962, cinco meses antes de sua morte. Naquele início de anos 60 ela estava mais magra, com ar de cansada, cabelo mais platinado, e ainda uma das estrelas mais populares de seu tempo. Pessoalmente, ela detestou Os Desajustados e sua atuação nele. Sua vida pessoal estava em frangalhos.

Na première do filme, em 1961. “Eu vou chegar atrasada até mesmo no meu próprio funeral”, costumava brincar a atriz

Era uma chance de explorar sua veia dramática, sim, mas aquele projeto todo era extremamente pessoal, pois o roteiro era de ninguém menos que o dramaturgo Arthur Miller, seu marido na época. A história havia sido baseada num conto do escritor publicado na revista Esquire anos antes. A personagem Roslyn foi expandida e usada como veículo para Marilyn, então esposa de Miller. Mas ela sentia que novamente estava interpretando Marilyn Monroe. Poderia ser uma homenagem de amor, mas a atriz foi repudiando a produção cada vez mais, se refugiando na bebida e nas pílulas. Ela chegava constantemente atrasada e com problemas para fazer as cenas, não apenas por desleixo mas porque ela era muito ansiosa, estava uma pilha de nervos por trabalhar com Clark Gable, seu ídolo-mór desde a infância, e ainda tinha que lidar com frequentes reescritas de falas de última hora, o que não a deixavam dormir em paz. Enfim, o casamento de Marilyn com Miller, que já não andava bom, chegava ao seu fim durante as filmagens turbulentas desse que é um dos filmes mais obscuros das carreiras de seus atores principais. Uma espécie de prenúncio da finitude de suas próprias vidas.

Com Arthur Miller e equipe nos bastidores do filme, 1960

O longa é marcado por uma constante atmosfera de melancolia, solidão e decadência. O desamparo que emana dos personagens (e dos próprios atores, de certa forma) é latente, quase palpável. Poderia dizer que é um dos filmes mais deprimentes que já assisti, sem nenhum drama visceral de te matar de chorar, mas sim pela aura melancólica que ele passa numa história relativamente simples de pessoas unidas por um mesmo sentimento de se estar perdido e só no mundo. Mas não é só morbidez: tem momentos mais leves, divertidos, românticos e encantadores, sem falar das cenas de ação no deserto com os cavalos, que dão uma vibe western para o longa. Para quem gosta de um bom drama bucólico com elenco estelar de peso e um roteiro interessante cheio de diálogos reflexivos, eu recomendo muito essa obra subestimada que merece mais reconhecimento! Felizmente, o filme foi ganhando mais admiradores e críticas positivas ao longo dos anos.

Apesar das filmagens cansativas, Gable simpatizou com Marilyn e ambos tiveram química juntos em cena. O vaqueiro Gay diz que Roslyn é a garota mais triste que ele já conheceu
Em 2018 uma cena do filme com Marilyn nua foi finalmente reencontrada após ser considerada por décadas perdida. A sequência havia sido deletada na edição final para os cinemas

Esse filme parece sempre nos lembrar da finitude da vida através de seu elenco: aquele seria o último filme completo tanto de Clark Gable quanto Marilyn Monroe. Montgomery Clift, perfeito para papéis dramáticos intensos, demonstrava já uma enorme fragilidade, engolido por seus demônios pessoais (o astro gay nunca mais fora o mesmo desde um acidente grave de carro que sofreu em 1956 e lhe deixou marcas) — Marilyn disse que Clift era a única pessoa que ela conhecia que estava em pior estado do que ela própria.

O ator atormentado nunca se recuperou fisicamente e mentalmente do acidente que quase o matou mas deixou marcas no seu belo rosto.

Um médico ficava 24 horas de plantão no set para atender Marilyn e Montgomery quando fosse preciso, pois ambos estavam tendo problemas com álcool e medicamentos fortes. Mas o primeiro ator do elenco principal a falecer ironicamente foi Clark Gable, que já não estava bem de saúde antes das filmagens após décadas de fumo excessivo que haviam modificado até mesmo a sua voz. Ele já se queixava de dores no peito e ao contrário do que foi noticiado na época, o ator não fez todas as suas cenas de ação ele mesmo — algumas foram realizadas pelo dublê Jack N. Young.

“Trabalhar com Marilyn Monroe em The Misfits quase me fez ter um ataque do coração. Nunca fiquei mais feliz de ter terminado um filme.”, disse Clark Gable após o término das filmagens
“Quando Clark Gable morreu, eu chorei por dois dias seguidos. Não podia comer ou dormir”, disse Marilyn após a morte de seu pai imaginário

Pouco antes de sofrer o enfarte, Gable assistiu aos rushes do filme (as gravações “cruas” sem edição) disse que aquela era a melhor performance de toda a sua carreira. O ator sempre foi muito crítico e autodepreciativo em relação ao seu trabalho, mesmo tendo sido por anos chamado de O Rei de Hollywood. Então apesar de sua triste partida, ao menos ele nos deixou com um sentimento raro de satisfação com o seu trabalho como ator, e não só galã.

Os Desajustados teve sua première no dia 1 de fevereiro de 1961, dia no qual Clark Gable, aquariano, completaria 60 anos de idade.

Os vaqueiros sem rumo lutam para manter um negócio de cavalos, mas a personagem de Marilyn é totalmente contra os maus-tratos com os animais e os chama de assassinos e mentirosos no clímax do filme
A coadjuvante de ouro Thelma Ritter também nos deixou poucos anos depois do filme. Ela faleceu em fevereiro de 1969 de ataque cardíaco, o que também matou Gable e Clift
Com o fim dos anos 60, quase todo o elenco do filme já tinha falecido, com a exceção de Eli Wallach que ainda viveria até 2014, com 98 anos. Seus filmes mais famosos são os faroestes Três Homens em Conflito (1966) e Sete Homens e Um Destino (1960). O público mais jovem vai lembrar dele com Kate Winslet em O Amor Não Tira Férias (2006)

Acredita-se que The Misfits foi filmado em preto-e-branco pelo fato de Marilyn estar na época com aspecto cansado e com os olhos vermelhos, devido ao cansaço e uso frequente de barbitúricos (Clift também deveria estar com o mesmo problema). Ela tinha crises de insônia há anos e já estava dependente de pílulas para dormir. A pergunta recorrente no set de filmagem era “Será que Marilyn vai trabalhar hoje?”. De fato, muitos dias Marilyn sequer compareceu e deixou a equipe horas esperando no sol quente do deserto. Mas ela realmente não estava nada bem de saúde, chegando a ser internada por semanas, logo a produção ficou quase dois meses parada. Depois do filme as coisas não melhoraram muito para M.M.: em 1961 ela sofreu um aborto espontâneo. Seu casamento com Arthur Miller estava acabado. Muitos dizem que ela viveu seus últimos meses se sentindo perdida e à deriva, pessoal e profissionalmente.

Marilyn adorava crianças, mas nunca conseguiu ser mãe — um dos vazios de sua vida pessoal. Dando autógrafo a uma menina no dia do batizado do filho de Clark Gable, falecido meses antes

Fofocas maliciosas atribuíram a doença e morte inesperada de Gable ao stress causado pelos atrasos constantes de Marilyn, que atrasaram as filmagens no deserto escaldante de Nevada. Monroe ficou desolada quando o seu ídolo, e secretamente seu “pai”, faleceu naquele mesmo ano. Ironicamente, ele tinha dito que trabalhar com Marilyn quase havia feito ele ter um ataque do coração — exatamente o que o matou em 16 de novembro de 1960. No mesmo hospital, em março de 1961, sua viúva Kay Gable deu luz a John Clark Gable, único filho do astro.

Desde então, Marilyn se sentiu em parte culpada pela morte daquele homem que ela fantasiou como seu próprio pai.

Marilyn atendeu ao batizado do filho de Gable toda vestida de preto, quase como se fosse a viúva de Clark Gable. 22 de Junho de 1961

2. ALMAS DESESPERADAS (Don’t Bother to Knock, dir. Roy Ward Baker, 1952)

Um outro momento iluminado, mas pouco lembrado, foi no thriller noir Almas Desesperadas ao lado do excelente ator Richard Widmark. Era o primeiro papel principal de Marilyn na Fox, depois de anos fazendo papéis pequenos e irrelevantes. Nesse pequeno suspense dramático com toques de film noir, M.M. interpreta a jovem perturbada Nell, contratada por uma noite como babá de uma garota num hotel de Nova York.

O cenário perfeito para um filme noir: New York à noite

No mesmo hotel naquela noite está hospedado o piloto Jed (Richard Widmark), na janela de frente para o apartamento onde Nell e a garota estão. Jed, rejeitado por sua ex-namorada Lyn (Anne Bancroft, em seu primeiro filme), fica atraído pela atraente Nell, que está usando as roupas e a maquiagem de sua patroa como se fossem suas. Inicialmente Nell não quer nada com Jed, mas resolve chamá-lo para o apartamento.

A menina Bunny, de quem ela deveria cuidar, fica cada vez mais inquieta e nervosa com o comportamento estranho de Nell. A babá se faz passar por uma hóspede de verdade. Já no apartamento, Jed fica intrigado com Nell e percebe que ela é a última pessoa que deveria estar tomando conta de uma criança, devido a seu comportamento instável. Ela conta para ele que tinha um namorado que também era piloto e morreu durante um voo no Havaí. Mentalmente perturbada, Nell passa a acreditar que Jed é seu namorado e não quer perdê-lo de jeito nenhum, mesmo que tenha que se livrar de quem ficar em seu caminho, até mesmo a menina Bunny.

O roteiro ficou por conta de Daniel Taradesh, baseado em um livro de Charlotte Armostrong (Mischief, 1951)

No fim foi uma oportunidade bem-sucedida de Marilyn como atriz dramática, saindo um pouco das comédias que a tornaram famosa. Antes de ser completamente tomada por seus medos e inseguranças, confiança excessiva em coachs de atuação e psicólogos nos anos seguintes, é perceptível aqui em cena uma Marilyn Monroe mais relaxada e natural, ainda não tão castigada pela fama e pelo mais podre do star system. Até seu cabelo está mais escuro e não tão loiro como nos filmes mais famosos. Muitos críticos e fãs consideram este um de seus melhores trabalhos como atriz, afinal aqui ela não precisava ser só bonita e sexy, e pôde enfim atuar. Ela conseguiu explorar as suas próprias fragilidades e vivências pessoais ao interpretar a personagem mentalmente instável. Sua própria mãe Gladys tinha sido uma mulher com transtornos mentais e recorrentes crises nervosas, terminando seus dias em uma instituição psiquiátrica. Marilyn passou a vida inteira com medo de enlouquecer e terminar como sua mãe.

Jed nota as marcas de corte nos pulsos de Nell. Ela havia tentado o suicídio após a morte de seu namorado
Anne Bancroft como a cantora do hotel em seu primeiro filme, bem antes de A Primeira Noite de um Homem

Não é uma obra-prima mas com certeza é daquele tipo de filme menor que prende a nossa atenção e impressiona pelos pequenos detalhes. Não apenas um veículo dramático para a Marilyn, mas também um pequeno e bom filme noir por si só, ótimo para um sábado à noite. Por favor, vejam!

Sobre sua co-star, Richard Widmark disse: “Eu gostava de Marilyn, mas era terrível contracenar com ela. Ela era insegura em muitas coisas, e obviamente autodestrutiva. Um pássaro ferido desde o início”

3. TORRENTES DE PAIXÃO (Niagara, dir. Henry Hathaway, 1953)

Nas cataratas do Niagara, dois casais em lua de mel se cruzam e fazem amizade. O casal quadradinho Ray e Polly (Max Showalter e Jean Peters) começa a estranhar o comportamento peculiar dos seus novos amigos, o casal Loomis: Rose (Monroe) e George (Joseph Cotten). Polly vê por acaso Rose se beijando com outro homem nas cataratas, mas fica em silêncio. Depois à noite Rose canta sua música especial, Kiss, durante uma festinha entre os hóspedes do resort, na maior sensualidade possível. Seu marido George fica furioso de ciúmes e destrói o disco na frente de todos. Ele desconfia de um sentido oculto naquela performance toda, e realmente tem: Rose e seu amante Patrick (Richard Allen) planejam matá-lo.

Marilyn foi apenas um dos ingredientes de sucesso do filme. O versátil Henry Hathaway, famoso por seus westerns, dirigiu o longa metragem e o roteiro do mesmo ficou por conta de Charles Brackett, famoso por sua parceria profissional com Billy Wilder, junto com Walter Reisch e Richard L. Breen. Também tiveram as ótimas performances de Joseph Cotten como seu marido traído e perturbado, e Jean Peters como a mocinha em perigo que presencia as tretas nas cataratas: babado, confusão e gritaria. O código Hays de censura no cinema americano ainda prevalecia mas estaria com os seus dias contados mais para o fim dos anos 50 e começo dos 60. A tensão sexual presente no longa é latente do começo ao fim, mesmo que, seguindo a linha moralista típica, os bonzinhos ajam da forma conveniente que é esperada deles até o final, enquanto Marilyn e Cotten afundam na espiral autodestrutiva de seus próprios desejos.

Rose e seu amante planejam a morte de George, mas as coisas não saem como planejado
A bela e talentosa Jean Peters em tese era a protagonista, mas o furacão Monroe acabou a ofuscando no filme. De qualquer forma uma atriz muito boa que merece ser lembrada também. Ela acabou se aposentando e casando com Howard Hughes anos depois

Alguns já diriam que Marilyn havia perdido um pouco da sua naturalidade devido às inseguranças cada vez maiores e dependência constante de treinadores de atuação no set, na época Natasha Lytess. Anyway, Marilyn brilhou como a femme fatale nesse filme noir colorido que lhe rendeu pela primeira vez destaque no topo dos créditos (top billing), o que alçou a atriz oficialmente para o estrelato. Pode se dizer que Niagara foi o primeiro filme que realmente chamou a atenção do público sobre ela pra valer e dali em diante começou a verdadeira Marilyn mania que vinha com tudo nesse ano de 1953.

Andy Warhol, ícone da pop art, usou uma foto promocional aleatória de M.M. em Niagara para criar sua obra mais famosa em 1962, pouco depois da morte da atriz. Shot Sage Blue Marilyn se tornou a obra mais cara do século XX, tendo sido vendida em leilão por 195 milhões de dólares em maio de 2022
A foto original, hoje de domínio público

Darryl F. Zanuck, o chefão da Fox, não gostava pessoalmente de Marilyn, mas ele sabia que tinha uma mina de ouro nas mãos e investiu nela com tudo. Infelizmente ele e os produtores em geral só viam o apelo sexual de M.M. e mais nada. Marilyn tinha um apelo sexual tão forte nos mínimos gestos e atitudes que muitos não conseguiam vê-la como uma atriz séria ou uma pessoa com sentimentos e fragilidades. Hitchcock nunca teve interesse em fazer um filme com Monroe porque ele gostava de loiras frias e reprimidas, diferente de Marilyn que exalava sensualidade.

As cores saturadas do Technicolor no filme noir salientam as emoções em ponto de ebulição e contrastam com o lado obscuro da alma dos personagens. Impossível não se sentir magnetizado ao ver a cena de Marilyn cantando Kiss, música de Lionel Newman, letra de Haven Gillespie (ambos não creditados)

O fato de ser colorido não torna o suspense menos noir, pelo contrário, as cores são usadas a favor da atmosfera quente e sufocante que é construída durante o filme. Temos que aplaudir a excelente direção de Hathaway e o trabalho de cinematografia do longa, por sustentarem um enredo simples mas instigante e envolvente do começo ao fim sem deixar a peteca cair. Tudo bem que na parte dos personagens a bordo de um barco no meio das cataratas dava para sentir que estavam mais jogando baldes nos atores, mas vamos relevar esses detalhes hahaha

A caminhada de Marilyn num determinado trecho do filme bateu o recorde de caminhada mais longa da história do cinema: 26,92 segundos, correspondentes a 116 pés de filme

Não darei spoilers do desfecho, vejam por vocês. Thriller clássico altamente recomendado!

Henry Hathaway com Marilyn e Joseph Cotten nos bastidores. Cotten disse em sua autobiografia: “eu gostei de trabalhar com ela, ela era ávida por rir, uma bela palhaça”.

4. COMO AGARRAR UM MILIONÁRIO (How to Marry a Millionaire, dir. Jean Negulesco, 1953)

O sucesso da deliciosa comédia musical Os Homens Preferem as Loiras ofuscou um pouco a comédia clássica charmosa How to Marry a Millionaire, que é bem divertido e agradável. Foi também um dos primeiros experimentos de Hollywood com o CinemaScope (um estilo pioneiro de tela widescreen).

Marilyn fazia a “burrinha” que enxergava mal, Grable era a engraçada avoada, e Bacall o cérebro da trupe em busca de homens ricos

Betty Grable disse que em nenhum momento se sentiu ameaçada ou despeitada por Marilyn ser a nova beldade loira da Fox naquele momento, enquanto a carreira dela própria já estava entrando nos twilight years (lembrando que Grable foi a pin-up símbolo dos anos 1940, a favorita dos soldados durante a guerra). Simpatizou com Marilyn a tal ponto que um dia, notando que as unhas de Marilyn não estavam feitas, ajudou a pintá-las ela mesma com o seu próprio esmalte. Marilyn podia ser muito neurótica e preocupada com suas metas de trabalho, mas sabia demonstrar interesse verdadeiro nos outros. Quando Betty saiu às pressas num dia de filmagem ao saber que sua filha tinha sofrido uma queda em casa, Marilyn foi a única pessoa do elenco que telefonou depois a Betty para perguntar se a criança estava bem.

Lauren Bacall lembrou em seu livro de memórias By Myself que simpatizou com Marilyn durante as filmagens, comentando apenas que os constantes atrasos, dificuldade com as falas e dependência da acting coach Natasha Lytess deixavam o andar da produção um pouco complicado, enquanto que Betty Grable por sua vez era mais profissional e fácil de trabalhar. Não julgando Marilyn ou jogando shades ao falar disso, mas sim porque M.M. afetava o curso das filmagens e o trabalho dos outros atores, pois segundo Bacall, se os takes tinham que estar sendo repetidos a todo momento, ela e todos os outros por consequência tinham que estar bem em todos eles, já que ninguém sabia qual take seria o escolhido na edição final. Manter-se no personagem e no tom apropriado para um cena filmada diversas vezes é um dos maiores desafios para um ator na hora de filmar. Quando não, esperar horas intermináveis para gravar.

Pola odeia usar os óculos e prefere andar sem eles, o que gera muitos inconvenientes engraçados

Tirando os ossos do ofício, foi um set de filmagem bastante tranquilo e alegre. As três atrizes frustraram os colunistas de fofoca pois se deram muito bem, obrigado. Grable e Bacall fizeram de tudo para não alimentar a insegurança de Marilyn e com o tempo M.M. conseguiu se sentir mais confiante.

Segundo Marilyn, Betty era amigável e muito divertida, enquanto Bacall extremamente profissional, mas também aberta ao improviso

Durante nossas cenas, ela olhava para minha testa em vez de pros meus olhos; no final de uma tomada, olhava para sua coach de drama, atrás do Jean Negulesco (diretor), para aprovação. Se a resposta fosse não, ela insistiria em outra tomada. Uma cena costumava ter 15 ou mais takes, o que significava que eu teria que estar boa em todos elas, pois ninguém sabia qual take seria usado. Não é fácil — muitas vezes irritante. E ainda assim eu não conseguia não gostar de Marilyn. Ela não tinha maldade— nenhum comportamento de bitch. Ela só tinha que se concentrar em si mesma e nas pessoas que estavam lá apenas para ela.”

Lauren Bacall

A famosa foto do casal Bogie e Bacall com Marilyn na noite de estreia do filme em 1953

A trama principal do filme inspirou uma das tramas da novela Sassaricando, escrita por Sílvio de Abreu em 1987, depois refeita como Haja Coração em 2016 por Daniel Ortiz. Tonia Carrero fazia a linha cérebro do grupo como Bacall, Eva Wilma a estabanada engraçada como Grable, e Irene Ravache a mais desmiolada e sensual do grupo como Marilyn. Em 2016 os respectivos papéis foram para Malu Mader, Carolina Ferraz e Ellen Roche.

O trio cômico feminino de Sassaricando, 1987

5. O RIO DAS ALMAS PERDIDAS (River of No Return, dir. Otto Preminger, 1954)

Marilyn considerava este o seu pior filme — nas palavras dela “um filme “Z” de cowboy no qual as atuações ficaram em segundo plano em comparação com as paisagens e o CinemaScope”. Otto Preminger tinha sido mal escalado para conduzir a produção, apesar de ser um diretor talentoso vide filmes como Laura (1944) e O Homem do Braço de Ouro (1955). Ele, um diretor austro-húngaro, simplesmente não combinava com o gênero faroeste, um estilo americano por excelência; logo Preminger dirigiu o filme de qualquer jeito, demonstrando pouco interesse com o projeto e direcionando sua raiva contra Marilyn Monroe e a acting coach da atriz, Natasha Lytess. Mas não era um comportamento atípico do diretor, já que ele era conhecido pelo seu gênio difícil e por escolher bodes expiatórios no set para descontar a sua raiva. Robert Mitchum, também genioso, não se deu bem com Preminger, nem mesmo com o ator mirim Tommy Rettig, que fazia seu filho no filme.

E para completar o baixo astral, Marilyn torceu o tornozelo durante as gravações. Por conta do acidente, a produção foi pausada por alguns dias e depois ela teve que usar uma tala na perna. Milton Greene aproveitou para tirar fotos aleatórias porém charmosas da atriz naquele período (mais sentada, por conta do problema na perna).

Se recuperando do acidente nas filmagens. A atriz quase se afogou no incidente, mas foi salva por Mitchum e outros colegas de produção
Marilyn rompeu abruptamente com Natasha Lytess após sua aproximação com os Strasberg na segunda metade da década, mas ela nunca esqueceu a influência da coach: “Ela me deu equilíbrio e me fez entender a vida. Eu devo tudo a ela”. Aqui as duas no set do faroeste em 1953

Em 1875, Matt Caulder (Bob Mitchum) é solto da prisão e finalmente se reencontra com o filho de 10 anos, Mark (Tomy Rettig), que ficou sob os cuidados da cantora de saloon Kay (Marilyn Monroe). Kay e seu noivo, o jogador ambicioso Harry (Rory Calhoun), têm problemas ao descer um rio numa frágil jangada. Matt e seu filho Mark salvam o casal, mas Harry simplesmente rouba o cavalo e uma arma de Matt e desaparece. Kay fica com Matt e seu filho, e os três passam juntos por diversas provações ao longo do percurso do “rio sem retorno”, ao mesmo tempo que criam um forte laço entre si. Matt ainda terá um confronto final com Harry. Com quem Kay terminará?

Apesar dos sentimentos mistos do diretor e dos atores, o filme fez sucesso e rendeu bem nas bilheterias na época de seu lançamento.

Deslumbrante nas cenas musicais do filme, com o seu megahair

Deixando de lado os detalhes azedos das filmagens, River of No Return merece ser visto. Pode não ser um exemplo monumental de faroeste nem de drama, mas chama a atenção pela sua peculiaridade e talento excepcional do elenco e produção. É o único filme faroeste da carreira principal da atriz, e não deixa de ser interessante vê-la em locação natural na floresta, fora dos típicos musicais e comédias filmados inteiramente em estúdio. O visual também saiu do comum: o guarda-roupa era de época, pois a história se passa no século XIX durante a famosa Corrida do Ouro; além dos vestidos antigos de dançarina de saloon, M.M. chegou a usar roupas despojadas nas cenas ao ar livre, até mesmo calça jeans. Ela também usou um aplique para o cabelo parecer longo.

Foto autografada para publicidade do filme (sem o aplique no cabelo)

Marilyn teve química com seu co-star Robert Mitchum, que disse sobre ela:

“Ela estava convencida de que não era bonita ou sexy. Naquela época eu não acho que ela conhecia muitas pessoas que fossem amigáveis com ela. Crescendo em uma atmosfera de agentes, diretores e jornalistas, ela parecia uma criança perdida”

Mas o melhor amigo de M.M. naquele set não foi nenhum humano, e sim um pequeno guaxinim chamado Bandit. Enquanto o resto da produção ia almoçar, Marilyn ficava com o animalzinho em seu colo e conversava com o dono dele, Ralph Helfer, sobre animais e cavalos.

Os dois já se conheciam de anos antes, pois o ator era amigo do primeiro marido de M.M., Jim Dougherty. Mitchum a considerou uma colega atenciosa, sensível e perceptiva. Marilyn por sua vez, mesmo não gostando do filme em si, considerou Bob um de seus co-stars preferidos

6. NUNCA FUI SANTA (Bus Stop, dir. Joshua Logan, 1956)

“Você pode ganhar uma fortuna apenas parada ou se movendo na frente das câmeras e quase sem atuar”, disse Michael Chekhov.
“Eu não quero isso”, eu [Marilyn] disse.
“Por que não?” ele me perguntou gentilmente.
“Porque eu quero ser uma artista”, respondi, “não uma aberração erótica
para ser vendida ao público como um afrodisíaco de celuloide. Foi tudo bem nos primeiros anos. Mas agora é diferente.”
Essa conversa começou minha briga com o estúdio [Fox].

M.M. não foi só uma artista, mas também uma empresária. Em 1955, em parceria com o fotógrafo e amigo pessoal Milton Greene, a Marilyn Monroe Productions (MMP) foi fundada com a finalidade de dar à atriz oportunidades melhores e mais recompensadoras como profissional. Ela estava cansada de ser apenas uma sex symbol nas mãos da Fox que ganhava menos do que os seus colegas homens. A abertura de sua produtora marcava uma nova fase não só na carreira de Marilyn mas também uma pá de cal no star system que já se mostrava decadente nos idos da década de 1950.

Bus Stop foi o primeiro filme de Marilyn com um novo contrato, melhorado, com a Fox. Sua guerra com o estúdio havia começado mesmo em 1954 quando Marilyn se recusou a protagonizar um filme flopado chamado The Girl in Pink Tights. A atriz já havia pressionado o estúdio por bons papéis, e naquele início de 1954, insatisfeita com a Fox e já desfrutando de uma fama meteórica, ela resolveu fazer as malas e partir numa tour pelo Japão, o que culminou na sua apresentação icônica de entretenimento para os soldados na Coréia em fevereiro. De volta aos EUA, em março, Marilyn e a Fox se entenderam e prometeram um novo contrato com bônus de $100 mil dólares e já um bom papel principal para ela: A Garota de O Pecado Mora ao Lado (The Seven Year Itch, dirigido por Billy Wilder em 1955).

Ela não era a primeira nem a última atriz a sofrer esse tipo de depreciação de um estúdio. Bette Davis, mesmo após ganhar dois Oscars de Melhor Atriz, era colocada para fazer filmes medíocres na Warner dos anos 30, e entrou na Justiça para conseguir melhores trabalhos. Ela perdeu, mas ganhou o respeito de Jack Warner que enfim começou a lhe dar melhores papéis, a partir de Mulher Marcada em 1937.

Bus Stop era o seu primeiro filme depois de dar uma pequena pausa em sua carreira e estudar no Actors’ Studio no ano de 1955. Ela havia vencido a batalha com a Fox, que lhe deu em troca um contrato de $400 mil dólares mais bônus, direito a fazer um filme pela sua produtora por cada filme que fizesse pela Fox, e também direito de escolha de diretor, roteiro e cinegrafistas. Marilyn se entregou com determinação nesse trabalho. Ela aprendeu o sotaque Ozark (típico de partes do sul e do meio-oeste americano), deu toques pessoais em mínimos detalhes de maquiagem, cabelo e guarda-roupa que combinassem com a frágil cantora de saloon Chérie, sem enfatizar o glamour de filmes anteriores. Influenciada pelo Método e pela sua ideia de atuação realista, Monroe também dançou mal e cantou desafinadamente de propósito em cena para acentuar a falta de talento da personagem, coisas quase impensáveis naquela época.

That Old Black Magic é a única música de Marilyn no filme, que não chega a ser um musical

Marilyn pensou em Rock Hudson para o papel principal masculino, mas o novato Don Murray ficou com o papel do cowboy histriônico Beau. Don Murray (ainda vivo com 93 anos) lembra de Marilyn como assustada, ansiosa e um tanto infantil. Para ele, Marilyn era como uma criança, extremamente autocentrada e preocupada apenas consigo própria e com o seu trabalho. Os takes eram repetidos à exaustão e obviamente, o melhor take de Marilyn seria o escolhido, independente dos co-stars estarem bem ou não nesse mesmo take.

Ele nunca mais viu Marilyn depois das filmagens, mas o ator se casou com outra atriz do filme, também estreante no cinema: Hope Lange. Os dois já eram noivos na época das filmagens

Como Joshua Logan também era uma alma hipersensível, vítima de insônia e exaustão, ele era solidário com os problemas pessoais e as lutas criativas de Marilyn Monroe. Nos últimos anos, ele a descreveu como uma grande atriz, uma combinação de Greta Garbo e Charles Chaplin. “Ela foi a atriz mais constantemente excitante com quem já trabalhei, e essa excitação não estava relacionada à sua celebridade, mas à sua humanidade, à maneira como ela via a vida ao seu redor.” O diretor soprava falas para ela durante filmagens, tinha paciência e atenção para com as ideias de Marilyn para o filme e sua personagem. Ele também tolerou a presença constante de Paula Strasberg (esposa de Lee) como acting coach de Marilyn nos bastidores.

Ela estava realmente nua por debaixo dos lençóis, atestou Don Murray. “Pois ela acreditava que sua personagem estaria mesmo nua”.

Críticos de cinema como André Bazin e François Truffaut elogiaram Logan como um autor, já que defendiam a ideia do diretor como responsável pela excelência artística da obra cinematográfica como um todo através da sua direção (mise-en-scène), isto é, um autor com o seu estilo próprio e único, e não meros trabalhadores de uma indústria de entretenimento. Entre seus filmes americanos da década de 50, Férias de Amor e Nunca Fui Santa estão entre os mais queridos. Bus Stop não recebeu boas críticas apenas por ter Marilyn Monroe no elenco. Bazin argumentou que o ponto alto do filme está na sua verdade social.

(…) Paradoxalmente, os campeões da politique des auteurs admiram o cinema americano, onde as restrições de produção são mais pesadas do que em qualquer outro lugar. Também é verdade que é o país onde as maiores possibilidades técnicas são oferecidas ao diretor. Mas um não anula o outro. Admito, porém, que a liberdade é maior em Hollywood do que se diz, desde que se saiba detectar suas manifestações, e chegarei a dizer que a tradição dos gêneros é uma base de operações para a liberdade criativa. . O cinema americano é uma arte clássica, mas por que não admirar nele o que há de mais admirável, ou seja, não apenas o talento deste ou daquele cineasta, mas o gênio do sistema, a riqueza de sua tradição sempre vigorosa e sua fertilidade ao entrar em contato com novos elementos — como foi comprovado, se necessário, em filmes como Um americano em Paris, A coceira de sete anos e Parada de ônibus. É verdade que Joshua Logan tem a sorte de ser considerado um autor, ou pelo menos um autor iniciante. Mas então quando Picnic ou Bus Stop recebem boas críticas o elogio não vai para o que me parece ser o ponto essencial, ou seja, a verdade social, que obviamente não se oferece como um objetivo que basta em si mesmo, mas é integrado a um estilo de narração cinematográfica, assim como a América pré-guerra foi integrada à comédia americana.

André Bazin (tradução livre)

O único porém do filme é o personagem do cowboy que pode soar extremamente machista e irritante durante o filme, até para os menos radicais nesse departamento. Apesar de Don Murray ser um bom ator e ter feito bem o papel, lhe rendendo uma indicação ao Oscar de coadjuvante, o personagem chega a irritar com o seu assédio para com Chérie. E quanto ao eventual desfecho romântico dos dois, alguns podem considerar como uma romantização forçada, mas enfim, deixo para o espectador tirar suas próprias conclusões. Seguindo o contexto do filme, os dois crescem durante a história e depois de muito drama e conflito conseguem chegar num ponto de equilíbrio e eventualmente decidem ficar juntos.

Marilyn foi esnobada pelo Oscar, mas recebeu indicações ao Globo de Ouro e ao Laurel Awards como Melhor Atriz pelo seu tocante desempenho em Bus Stop

Ainda que achasse Marilyn uma colega de trabalho difícil, Don Murray elogiou o trabalho da atriz e disse que ela merecia o reconhecimento da Academia e da crítica pelo seu trabalho.

As pessoas zombavam muito dela. Devo dizer que realmente a admiro pelo modo como ela se importou o suficiente com a forma de arte dos filmes para realmente deixar Hollywood no auge de sua fama e não se contentar em ser apenas um símbolo sexual. Ela queria ser uma atriz de verdade. Quando ela deixou Hollywood por um ano para estudar no Actors Studio em Nova York, “Bus Stop” foi seu filme de retorno. E eu achei que ela estava magnífica nele, embora ela estivesse sempre atrasada no set e ela tivesse dificuldade em lembrar suas falas. Ela também tinha um período de concentração muito curto: ela começava uma cena e parava no meio porque esquecia suas falas. Então ela teve que fazer todas as suas cenas em pequenos pedaços porque ela não conseguia sustentar uma cena até o fim. Nós nunca vimos uma cena completa com ela. Todos os atores do filme vieram do palco, como Hope Lange e eu, Arthur O’Connell, Eileen Heckart — todos no filme — então estávamos acostumados a ter uma performance contínua e íamos conferir os rushes (filmagens não editadas das gravação) para ver o trabalho de ontem . Víamos todos esses pequenos pedaços e achávamos que o filme seria um desastre. No entanto, a primeira vez que o vimos em uma pré-estreia, de repente percebemos qual era a magia dos filmes, com a edição e corte tudo junto; ela era magnífica! Eu nunca entendi por que ela não foi indicada [para um Oscar] por “Bus Stop”. Foi vencida por Ingrid Bergman — uma atriz maravilhosa, não há dúvida sobre isso — mas a atuação de Marilyn em “Bus Stop” foi muito mais rica, teve muito mais variedade e foi muito mais interessante do que a personagem de Ingrid Bergman em “Anastasia”. .” Enquanto isso, fiquei surpreso por ter sido indicado. Assim como o estúdio, na verdade. Um dia eu estava no set de “A Hatful of Rain” [1957, dir. Fred Zimmerman], e um dos chefes de publicidade veio até mim. ‘Parabéns!’ Eu disse: ‘Pelo quê?’ Ele disse: ‘Você foi indicado ao Oscar ontem!’ Eu disse: ‘Fui?’ Isso não é incrível? Você foi indicado e ninguém estava pressionando por você! Foi completamente espontâneo, algo inédito em Hollywood!” Então foi uma surpresa total para todos nós.

Meu autógrafo de Don Murray, conseguido por carta em 2017

7. O PRÍNCIPE ENCANTADO (The Prince and the Showgirl, dir. Laurence Olivier, 1957)

Filmado na Inglaterra, O Príncipe Encantado foi o único filme de Marilyn feito fora dos EUA. Foi também o primeiro filme dirigido por Laurence Olivier que não era uma adaptação de Shakespeare

Em 1953, Larry Olivier e Vivien Leigh já haviam vivido no teatro The Sleeping Prince. Em 1956 começaram os trabalhos para uma adaptação cinematográfica da peça de Terence Rattigan. Vivien, no entanto, já tinha mais de 40 anos e foi considerada velha para o papel. Marilyn comprou os direitos da peça e escolheu esse projeto como o seu primeiro filme independente pela Marilyn Monroe Productions (Nunca Fui Santa ainda tinha tido participação da Fox na produção).

Nasceu assim a parceria inusitada entre Monroe e Olivier, relação essa que a princípio foi promissora. Larry não só iria protagonizar, mas também dirigir o filme. Com a exceção de Marilyn, o elenco era predominantemente britânico e as filmagens se deram em Londres, no Pinewood Studios.

O casal Olivier (Laurence e Vivien Leigh) e Marilyn com seu então marido, o dramaturgo Arthur Miller. Circa 1956

De início as estrelas estavam animadas e todos sorrisos. Mas ao longo do trabalho, os dois geminianos não se deram tão bem assim. Larry ficava furioso com as dificuldades de Marilyn. Como de costume, M.M. chegava atrasada (alegadamente desarrumada e pouco limpa), nunca dizia uma fala da mesma forma mais de uma vez e não conseguia seguir as suas marcações de cena corretamente. Olivier, por sua vez, alegadamente a tratava por “bitch” em off e chegou a dizer para Marilyn “apenas ser sexy” — o que deixou a atriz furiosa. Ele não suportava a presença de Paula Strasberg, amiga e treinadora dramática de Monroe. No auge de sua fúria, Larry proibiu a presença de Paula no set, mas Marilyn se recusou a continuar filmando sem sua coach.

Com Paula Strasberg (talvez no set de Some Like it Hot). Ela se recusava a trabalhar sem a presença de Paula no set

De qualquer forma, os dois provaram ser ótimos atores, pois assistindo ao filme, que é bem leve, nem percebemos a tensão do set. O Príncipe Encantado não é um filme inesquecível, é até um tanto longo e sem grandes surpresas, mas é um conto de fadas às avessas com o típico e único charme britânico. O roteiro tem espírito e humor perspicaz. É uma curiosa história de amor e sedução entre a showgirl simplória Elsie Marina e o arrogante príncipe Charles. Apesar da tradução brasileira, não espere de fato uma história nos moldes de Cinderela. É mais a corista, com sua honestidade e jeito espontâneo de ser, que muda a vida do príncipe regente. Além das estrelas principais, os coadjuvantes roubam a cena — destaque para a veterana Sybil Thorndyke, a rainha avó do príncipe.

Diferenças à parte, os atores tiveram química em cena. Olivier jurou nunca mais trabalhar com Marilyn. Mas ele disse ter gostado da performance da atriz quando assistiu ao filme depois

Pelo filme, Marilyn recebeu o prêmio italiano David di Donatello em 1958 por Melhor Atriz Estrangeira. E também um Crystal Star Awards pela mesma categoria em 1959. O longa foi mais bem-sucedido no Reino Unido, enquanto teve um desempenho razoável de bilheteria nos Estados Unidos. Conforme acordado, Marilyn recebeu 75 por cento dos lucros da produção.

Os bastidores do filme serviram de inspiração para o livro, depois filme, My Week with Marilyn. Laurence Olivier não gostou da experiência de trabalhar com a musa loira; contudo, ele disse que era impossível não se apaixonar por ela, nem que fosse um pouco. E a havia achado uma criatura peculiar e extremamente interessante ao conhecê-la.

Fora da zona de conforto de Hollywood, numa atmosfera artística mais sofisticada, Marilyn provou seu talento cômico em um set bem diferente de seus filmes da Fox e cia e conquistou o público não americano

8. ADORÁVEL PECADORA (Let’s Make Love, dir. George Cukor, 1960)

Era 1959 para 1960 e de um acordo de quatro filmes para a Fox desde 1956, Marilyn havia feito apenas Bus Stop. O Príncipe Encantado foi filmado na Inglaterra e distribuído pela Warner; Quanto Mais Quente Melhor, talvez o seu maior triunfo artístico como comediante, foi produzido pela United Artists. Antes de começar Os Desajustados, escrito por seu marido da época Arthur Miller, Marilyn teve que aceitar fazer Adorável Pecadora por obrigações contratuais. Nomes como Gregory Peck, Rock Hudson e Cary Grant foram cogitados para o galã do filme, até a produção eleger, inesperadamente, o ator e cantor francês Yves Montand para o papel de co-star de Marilyn.

O set foi caótico, como de costume. Não chegou a ser uma tragédia ou cheio de barracos, mas muitas foram as reformulações, atrasos e contratempos, sejam os atrasos e problemas pessoais de Marilyn, reescritas do roteiro para melhorar a história, ou até mesmo o fato de Yves Montand não saber falar inglês muito bem. Tanto Marilyn como o diretor George Cukor não deram grande valor ao filme. A relação dos dois nunca foi um mar de rosas. Os dois eram perfeccionistas; se Marilyn já demandava inúmeros retakes pelos problemas com falas e marcações, Cukor era um diretor que gostava de filmar uma mesma cena várias vezes até ficar satisfeito. Ele também não parecia ter a atriz em muita estima. Ela não teve sua beleza realçada pela direção, pelo roteiro, muito menos pelo seu guarda-roupa que deixou muito a desejar. Parecia que a Fox estava se lixando para sua então maior estrela…

Gene Kelly, Marilyn e Yves Montand nos bastidores desse musical charmoso e divertido porém esquecível
Apesar de nenhum mar de rosas, Cukor e Monroe mantiveram a pose nas filmagens. Eles ainda se reencontrariam em Something’s Got to Give

Talvez não fosse o seu momento mais feliz pessoalmente. Na verdade, não era mesmo, mas as coisas ainda iriam piorar, como vimos nos bastidores do filme seguinte, Os Desajustados. O casamento com Arthur Miller já era só conveniência e as esperanças que ela havia tido no início da relação foram por água abaixo. Sem nenhum pudor, Marilyn e Yves Montand tiveram um caso durante as filmagens de Let’s Make Love. Mas o caso acabou logo que as gravações terminaram e Montand voltou para a França. Os rumores não param apenas no affair dos protagonistas: há quem diga que Marilyn ficou grávida de Yves Montand, mas como já tinha acontecido no passado, ela sofreu um aborto.

Com seu marido Arthur Miller (direita) e o casal Yves Montand e Simone Signoret durante um jantar íntimo. Corre o rumor de que Monroe e Montand tiveram um affair na época. Montand nunca esclareceu o assunto, e apesar da produção complicada do filme ele sempre demonstrou gratidão por ter tido a chance de trabalhar com Marilyn Monroe

Profissionalmente M.M. estava menos feliz ainda: ela elegeu sua personagem de Adorável Pecadora como vazia e a pior de sua carreira. Mas naquela mesma época de filmagens, em 1959, ela recebeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Comédia ou Musical por sua adorável performance como Sugar Kane em Some Like it Hot.

Com Montand em cena do filme, 1960

Basicamente é a história de um milionário excêntrico, Jean-Marc Clément (Yves Montand), irritado com o fato de sua vida estar sendo satirizada em um musical off-Broadway. Mas quando o mesmo vai pessoalmente assistir parte do show, fica logo atraído por Amanda (Marilyn Monroe), atriz da companhia de teatro. O diretor, por ironia, acha que Jean-Marc ficaria bem interpretando ele mesmo no show. Jean-Marc aceita, mas só para poder ficar perto de Amanda, sob um nome artístico falso e sem revelar sua verdadeira identidade. A partir daí começam as confusões e mal entendidos. A história foi levemente adaptada de um antigo musical da Fox, On the Avenue (Avenida dos Milhões, dir. Irving Cummings,1937), mas com os sexos dos protagonistas trocados.

Apesar de tudo, eu tenho que dizer que gosto do filme. Não é um grande musical (chega até a ser meio camp), sua história não justifica quase duas horas de duração, e o guarda-roupa de Marilyn poderia ter sido muito melhor (ou deixava ela gorda ou as roupas pareciam maiores do que ela). No entanto, é um bom divertimento e a trilha sonora tem o seu charme. Eu particularmente amo a faixa My Heart Belongs to Daddy. As participações especiais de Gene Kelly, Milton Berne e Bing Crosby também levantam o moral da obra. Enfim, um guilty pleasure para os fãs de M.M., para não se levar a sério.

Em cena com o número camp de My Heart Belongs to Daddy, meu favorito do filme
Aproveitando o gancho, Marilyn era amiga de Ella Fitzgerald e ajudou muito na carreira da cantora. Nos anos 50, o clube Mocambo ainda não permitia artistas negros de se apresentar. Marilyn prometeu se sentar na frente da plateia toda noite caso deixassem Ella cantar lá. Dito e feito: Ella fez muito sucesso e os shows catapultaram a sua carreira. “Eu devo muito a Marilyn Monroe. Ela era uma mulher fora do comum, à frente de seu tempo. E ela nem tinha noção disso!”, disse a cantora sobre a amiga. Aqui na foto já em 1961, depois de ter feito Let’s Make Love e The Misfits

9. SOMETHING’S GOT TO GIVE — SEU ÚLTIMO FILME, INCOMPLETO (dir. George Cukor, 1962)

“Eu sei que eu nunca vou ser feliz, mas eu sei que eu posso ser alegre!”

M.M.

Platinada como Jean Harlow, a estrela loira que a inspirou e que foi tão trágica como ela própria

Naquela época, 1962, Marilyn havia comprado sua primeira casa, após anos de carreira e estrelato em casas alugadas. Seu psicanalista Ralph Greenson sugeriu a atriz para “fincar raízes”.

Ela escolheu o número 12305 na Fifth Helena Drive, uma vizinhança discreta e escondida em Brentwood, Los Angeles. A casa é bonita, espaçosa e aconchegante, mas nada muito luxuoso e ostensivo. Comum da área de LA, é uma casa em estilo espanhol/mexicano. Marilyn fez algumas viagens até o México para escolher móveis e itens de decoração para o seu novo lar, o qual ainda estava em vias de deixar do seu jeitinho quando faleceu.

A residência atualmente. Foi vendida pela última vez em 2017

Mas voltando ao cinema, o seu último filme tinha tudo de promissor. Um excelente elenco (M.M., Dean Martin, Cyd Charisse, etc.), um ótimo diretor (George Cukor), belos cenários e figurinos, trilha sonora de Frank Sinatra e uma história divertida que já havia rendido um excelente clássico da comédia anos antes, Minha Esposa Favorita (My Favorite Wife, direção do excelente e criativo Garson Kanin, 1940).

My Favorite Wife, que inspirou Something’s Got to Give. Em cena Cary Grant, Irene Dunne e Randolph Scott

O poema Enoch Arden, de Alfred Lord Tennyson, inspirou diversos filmes no cinema, cômicos e dramáticos. A comédia se fartou na história de uma esposa que passa anos desaparecida após um naufrágio e depois volta justamente quando o marido está prestes a se casar com outra mulher, daí complicações se sucedem. No filme incompleto de 1962, Marilyn volta quando Dean Martin acaba de voltar da lua de mel com Cyd Charisse. Esse novo casamento não a impede de tentar seduzir Martin e trazê-lo de volta para ela.

A cena mais marcante com certeza é quando Marilyn nada nua na piscina. Originalmente, a atriz usaria um maiô cor de pele, mas ela surpreendeu a produção quando começou a tirar peça por peça do seu biquíni durante as filmagens da cena na piscina. Foi um arraso e ela pareceu estar se divertindo horrores, vide suas gargalhadas tão particulares suas. Ela viu na cena uma oportunidade de dar um up no filme, que ela pessoalmente achava frágil. Marilyn sabia que precisava de um hit naquele estágio de sua carreira, e ela estava disposta a usar todas as suas armas para tal.

Marilyn estava radiante, platinadíssima e com um guarda-roupa maravilhoso. Emanava um ar de mais maturidade, afinal ela já tinha 35 para 36 anos durante as filmagens. E mais: pela primeira vez, Marilyn interpretava uma mãe em cena, pois a sua personagem na história era casada e tinha dois filhos. É bem doce e comovente a famosa cena de seu retorno e encontro com os filhos (que ainda não sabem naquele momento que ela é a mãe deles).

A Fox só pensava em Elizabeth Taylor e seu Cleópatra, projeto ostensivo e milionário que quase levou o estúdio à falência. Marilyn, por sua vez, se sentia desvalorizada e cada vez mais descontente. O seu filme estava atrasado, acima do orçamento e sem um roteiro pronto. Os roteiros vinham em cima da hora e ela cansada de ter que decorar falas pouco antes de gravar. George Cukor era um diretor que gostava de filmar uma mesma cena diversas vezes, algo que deixava Marilyn nervosa e tensa. Cukor odiava a presença constante de Paula Strasberg como coach de Marilyn.

A atriz começou a ter problemas de saúde — sinusite e resfriado — mas a Fox não deu muita importância e continuou com as filmagens. Eles já não tinham gostado dela ter ido cantar Happy Birthday para o Presidente Kennedy em maio. Sobre suas constantes faltas no trabalho, disseram que Marilyn estava “mentalmente perturbada e mentindo sobre estar doente” e resolveram demiti-la no dia 8 de junho, uma semana depois de seu último aniversário, no dia 1 — ironicamente o seu último dia oficial de trabalho no projeto.

Dean Martin, seu par no filme, se recusou a fazer o filme sem Marilyn quando ela foi despedida

A Fox acabou voltando atrás, lhe concedendo um novo contrato milionário e jogando as gravações do filme inacabado para outubro. Marilyn faleceu na noite do dia 4 de agosto.

Seu último aniversário, de 36 anos, em 1 de junho de 1962. Ela nunca mais voltaria ao estúdio depois desse dia

Agora vivo no meu trabalho e em alguns relacionamentos com as poucas pessoas com quem posso realmente contar. A fama vai passar e, por tanto tempo, eu tive você, fama. Se passar, sempre soube que era inconstante. Então, pelo menos é algo que eu experimentei, mas não é onde eu vivo.

Marilyn para a revista LIFE em julho de 62, semanas antes de falecer

Em julho, ela concedeu à revisa LIFE sua última entrevista, que foi lançado na semana de sua morte. Como boa geminiana, ela passava da alegria para a tristeza e até para a raiva em questão de segundos, mas em nenhum momento transpareceu vontade de desistir de tudo. Ela parecia, apesar de tudo, confiante no futuro
O filme de Marilyn foi refeito como Move Over Darling e lançado em 1963, com Doris Day e James Garner nos papéis principais

Felizmente, o que existe de Something’s Got to Give foi resgatado e está preservado para nós assistirmos. Pode ser visto no documentário lançado em DVD no Brasil Marilyn Monroe: O Fim dos Dias. Está completo no Youtube também, por volta de 35 minutos de filmagens. É uma comédia romântica deliciosa que certamente poderia ter virado um clássico e dado um up na carreira de Marilyn. Quando a última cena termina, deixa um eterno gosto de quero mais…

“Ela sutilmente subverteu o conteúdo sexista de seu material. (…) a dificuldade que algumas pessoas têm em discernir a inteligência de Monroe como atriz parece enraizada na ideologia de uma era repressiva, quando mulheres super femininas não deveriam ser inteligentes”.

Jonathan Rosenbaum

BÔNUS: FILMES MENORES MAS NÃO MENOS INTERESSANTES

Vou citar e recomendar brevemente mais alguns filmes menores de sua carreira, só para não passarem em branco.

Só a Mulher Peca (Clash by Night, dir. Fritz Lang, 1952). Marilyn fez um papel coadjuvante num filme americano de Fritz Lang, estrelado pela musa Barbara Stanwyck. As duas contracenam e o drama é ótimo, bem subestimado. Os homens são deveras irritantes e machistas, mas eu ainda acho que a mulher triunfa in the end.

Stanwyck tratou bem a novata nos bastidores (mesmo que não estivesse muito feliz com seus atrasos etc), enquanto a maioria da produção a desprezava

O Segredo das Joias (The Asphalt Jungle, dir. John Huston, 1950) foi o primeiro grande “break” de Marilyn no cinema, mesmo que ela apareça só poucos minutos. Por ironia, ela ficou tão famosa que hoje muitos dos pôsteres do longa a colocam bem em destaque, ignorando o fato dela ter apenas poucos minutos de screen time. Anyway, é um noir muito bom que merece ser visto!

Ainda não era uma estrela, mas estava já conquistando o público em participações singelas em bons filmes, com ótimos atores, dirigidos por grandes cineastas

O Inventor da Mocidade (Monkey Business, dir. Howard Hawks, 1952) sofre do mesmo mal: só lembram por ter Marilyn no elenco, mesmo que também só coadjuvante que aparece pouco. Ela está bem e divertida, mas o filme é mesmo dos sempre excelentes na comédia Cary Grant e Ginger Rogers (plus Charles Coburn, o coadjuvante vovô de todos). Para quem gosta de comédias clássicas despretensiosas, não deixe de conferir.

O Mundo da Fantasia (There’s no business like show business, dir. Walter Lang, 1954) eu diria que é um dos filmes mais esquecíveis da Marilyn (lógico que eu não vou enaltecer tudo o que ela fez, risos — ela mesma não gostou de fazer e só o fez por questões de contrato). Mitzi Gaynor, colega de elenco ainda viva aos 91 anos, comentou que Marilyn era uma garota insegura e inocente rodeada por víboras no set estelar e tenso daquele musical leve e artificial. De qualquer forma, o momento mais memorável é justamente quando Marilyn canta a música Lazy ao lado de Gaynor e Donald O’Connor. Ela também manda bem no número After You Get What You Want You Don’t Want It. Os momentos musicais de Marilyn nos lembram que ela não era só uma atriz boa e versátil, mas também muito talentosa como cantora (mesmo não profissional).

E claro, não esqueçam de sua ponta memorável em A Malvada, com Bette Davis e amigos da Fox!

(Se Marilyn era da Fox, e a Disney comprou a Fox, seria Marilyn agora uma Princesa Disney?)

Com a ótima Anne Baxter (a real malvada do filme, OK?), magnânima Bette Davis que dispensa apresentações, Marilyn e George Sanders, o eterno debochado

EPÍLOGO: UMA DESAJUSTADA EM HOLLYWOOD (nas palavras da mesma)

“Eu tenho muitos maus hábitos sociais. As pessoas estão sempre me dando sermão sobre eles. Eu estou invariavelmente atrasada para compromissos, às vezes até mais de duas horas. Eu tentei mudar meu jeito, mas as coisas que me atrasam são muito fortes — e muito excitantes.

“Se eu sou uma estrela, o público que me fez assim” M.M.

Quando eu tiver que estar em algum lugar para jantar às oito horas, vou ficar na banheira por uma hora ou mais. Oito horas vão e vêm e eu ainda permaneço na banheira. Eu continuo despejando perfumes na água e deixando a água escorrer e reenchendo a banheira com água fresca. Eu esqueço das oito horas e do meu jantar. Eu continuo divagando e me sentindo longe.

Às vezes eu sei a verdade do que estou fazendo. Não é Marilyn Monroe na
banheira, mas Norma Jean. Estou a dar um mimo à Norma Jean. Ela costumava tomar banho com água usada por seis ou oito outras pessoas. Agora ela pode se banhar em água tão limpa e transparente como uma vidraça. E parece que Norma não se cansa de água fresca do banho que cheira a perfume de verdade.
Há outra coisa que ajuda a me deixar “atrasada”. Depois que eu saio da banheira eu passo muito tempo passando cremes na minha pele. Eu amo fazer isso. Às vezes outra hora passará, felizmente.

Uma das raras fotos de Milton Greene redescobertas pelo filho do fotógrafo, Joshua Greene

Quando finalmente começo a vestir minhas roupas, me movo o mais devagar que posso. Eu começo a me sentir um pouco culpada porque parece haver um impulso em mim para chegar tão tarde quanto possível para o meu jantar. Faz algo em mim feliz — por estar atrasada. As pessoas estão esperando por mim. As pessoas estão ansiosas para me ver. Eu sou desejada. E eu me lembro dos anos em que fui indesejada. Todas as centenas de vezes que ninguém queria ver a garotinha, Norma Jean — nem mesmo sua mãe.

Sinto uma estranha satisfação em punir as pessoas que estão me querendo agora. Mas não são eles que estou realmente punindo. É há muito tempo atrás as pessoas que não queriam Norma Jean. Não é só punição que eu sinto. Eu me emociono como se fosse Norma Jean indo para uma festa e não Miss Monroe. Quanto mais tarde estou, mais feliz fica Norma Jean.

Em um de seus últimos ensaios, por George Barris para a revista Cosmopolitan

As pessoas não gostam de mim por tanto atraso. Eles me repreendem e me explicam que é porque quero parecer importante e fazer uma entrada espetacular. Isso é em parte verdade, exceto que é Norma que anseia por importância — e não eu.

Minhas falhas sociais como esta, e também não poder rir o tempo todo
em festas como se eu estivesse desmaiando de alegria, ou não ser capaz de continuar tagarelando como um papagaio para outros papagaios — parecem menos importantes para mim do que algumas falhas sociais que eu noto nos outros.

A última sessão de fotos de Marilyn Monroe, depois chamada The Last Sitting, dias antes de seu falecimento. Por Bert Stern

A pior coisa que acontece com as pessoas quando elas se fantasiam e vão a uma festa é que eles deixam seus verdadeiros eus em casa. Eles são como pessoas em um palco interpretando outras pessoas. Eles fingem que são importantes e querem que você conheça sua importância, não eles mesmos. Mas pior do que isso é o fato de que quando as pessoas estão sendo “sociais” elas não ousam ser humanas ou inteligentes. Eles não se atrevem a pensar algo diferente do que as outras pessoas na festa. Os homens e as mulheres não apenas se vestem da mesma forma, mas suas mentes se tornam todas iguais. E eles esperam que todos na festa digam apenas “coisas de festa”.

Eu congelo quando vejo pessoas fazendo caretas importantes para mim, ou quando percebo eles se exibindo para o “baixo clero” da festa. Eu gosto de pessoas importantes, mas eu gosto quando eles estão fazendo coisas importantes — não apenas colecionando reverências dos convidados menores.

“Sozinha, eu estou sempre sozinha, não importa o quê.”, escreveu em seu diário

Na sociedade das festas também há pessoas que não conseguem se sentir importantes — mesmo se é uma festa importante e seus nomes vão estar nas colunas do filme na manhã seguinte “entre os presentes”. Essas pessoas geralmente apenas se moem como figurantes em um set de filmagem. Eles não parecem ter nenhuma linha ou quaisquer “negócios”, exceto para serem preenchimentos de espaço ornamentais.

Com o amigo Rock Hudson no Globo de Ouro de 1962, recebendo o seu terceiro Henrietta Awards, nessa ocasião, assim como em 1953, por World Film Favorite: Female

Mas não posso sentir pena deles porque no minuto em que me junto a um desses “grupos extra” todos eles começam a tagarelar como loucos e rir e dizer coisas que ninguém pode entender. Sinto que ao terem encontrado alguém mais inquieto do que eles mesmos — eu — eles querem me impressionar com a alegria e intimidade que eles estão tendo.

Seu piano branco hoje pertence à cantora Mariah Carey

As festas de Hollywood não só me confundem, mas muitas vezes me desiludem. A desilusão vem quando encontro uma estrela de cinema que admiro desde a infância. Sempre pensei que as estrelas de cinema eram pessoas excitantes e talentosas, cheias de personalidade especial. Encontrando um deles em uma festa, geralmente descubro que ele (ou ela) é incolor e até assustado (a). Muitas vezes fiquei em silêncio em uma festa por horas ouvindo meus ídolos do cinema se tornarem pessoas chatas e pequenas.

“Eu quero ser uma artista. Uma atriz com integridade. E isso inclui todos os tipos de papéis”. M.M. adorava Manhattan, especialmente para se perder no meio da multidão

Encerro essa pequena homenagem com a minha quote favorita de M.M., que combina perfeitamente com ela mesma:

“Imperfeição é beleza, loucura é gênio. É melhor ser absolutamente ridículo do que absolutamente chato.”

Marilyn Monroe (1926–1962)

Pedro Dantas

Setembro de 22

Trechos aleatórias foram retirados da autobiografia inacabada da atriz, My Story, escrita por ela e Ben Hecht até o ano de 1954 mas só publicada em 1974.

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Pedro Dantas

Written by Pedro Dantas

Writer, English/Russian teacher, Art enthusiast, Film lover. Escritor, professor, entusiasta. Brasil - Portugal

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